Para autor de estudo, escravidão ligada à pecuária tem escala pequena diante da produção nacional

06/01/2006 - 19h07

Lana Cristina
Repórter da Agência Brasil

Brasília – A escravidão ligada à pecuária bovina existe, sim, no Brasil, mas não em tal escala que possa justificar restrições internacionais à carne exportada pelo país. A avaliação é da organização não-governamental Repórter Brasil, integrante da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae).

Para o coordenador da ONG, o jornalista e cientista político Leonardo Sakamoto, a divulgação, esta semana, de reportagem inglesa fazendo essa relação, está "travestida de fundo humanitário", mas esconde a intenção européia de manter barreiras protecionistas contra produtos brasileiros.

Em 2004, a Repórter Brasil realizou levantamento mostrando que 80% das fazendas que constam da lista suja do trabalho escravo, elaborada pelo Ministério do Trabalho com base nas notificações dos fiscais, estão na atividade pecuária.

Para Sakamoto, no entanto, o número de pecuaristas flagrados empregando trabalhadores em condição semelhante à escravidão é pequeno diante da produção brasileira de carne. O cientista político considerou reportagem divulgada esta semana pelo jornal britânico Daily Telegraph sobre o trabalho escravo na cadeia produtiva da carne no Brasil uma desculpa para atacar a produção comercial brasileira de carne.

"Nosso levantamento foi profundo, temos inclusive provas documentais das relações comerciais de frigoríficos e supermercados com fazendas que usavam trabalho escravo. Fizemos contato com essas empresas da cadeia produtiva e muitas delas deixaram de comprar de propriedades que estavam na lista suja. Nosso objetivo era justamente o de evitar, por parte dos importadores, a imposição de barreiras protecionistas", explicou.

O levantamento da Repórter Brasil foi feito com base na primeira lista suja publicada pelo ministério em 2003 e na primeira atualização feita em 2004. A ONG avaliou a situação do trabalho escravo nas cadeias produtivas da soja, carne, café, álcool, carvão, algodão e pimenta do reino. Desde então, seus integrantes, todos jornalistas, têm feito contato com os empresários, para conscientizá-los da importância em vetar a compra de produtos que vêm de propriedades que empregam pessoas em condições semelhantes à escravidão.

Isso ocorreu depois de eles investigarem qual a relação comercial das empresas com as propriedades rurais, inclusive com provas documentais. "No caso da cadeia produtiva da carne, acho até louvável citar as redes Carrefour e Pão de Açúcar, que passaram a cobrar dos frigoríficos que provassem que não processavam carne das propriedades com trabalho escravo. Se não fizessem isso, o supermercado não comprava a carne do dito frigorífico", revelou Sakamoto.

O mesmo ocorreu com empresas das outras cadeias produtivas, segundo o coordenador da ONG. Ainda segundo o levantamento da Repórter Brasil, seis frigoríficos que vendiam para o mercado externo comercializavam carne produzida com trabalho escravo.

Para Sakamoto, a reportagem inglesa também não pode ser usada para isentar os produtores rurais brasileiros. "Assim como é golpe baixo dizer que a carne brasileira é barata porque usa trabalho escravo na cadeia produtiva, para beneficiar os próprios produtores, é também golpe baixo dizer que no Brasil não há trabalho escravo", concluiu.

A ONG Repórter Brasil atua na área dos direitos humanos, com ênfase no combate ao trabalho escravo, e integra a Conatrae, formada por representantes de oito ministérios e da sociedade civil.