Funcionários ainda não concluíram levantamento de objetos roubados do Instituto Histórico

05/01/2006 - 17h59

Marli Moreira
Repórter da Agência Brasil

São Paulo - Quatro dias após a descoberta do roubo de parte considerável do acervo histórico do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP), os funcionários ainda estão recorrendo à memória para detectar se falta algo que ainda não tenha sido registrado ou percebido. O instituto ocupa seis dois oito andares de sua propriedade, na rua Benjamim Constant, no centro da capital, de onde os ladrões levaram, no último final de semana, diversas peças, documentos, obras de arte e relíquias símbolo da história do país. Algumas das peças eram preservados desde a fundação do instituto, há 111 anos.

Criado em l894, o IHGSP é uma entidade privada que conta com 130 sócios e "sobrevive do aluguel do andar térreo, onde funciona um cartório, e do quinto andar, ocupado por um escritório de advocacia", disse a diretora de Patrimônio, Liliana Rizzo Piazza. Segundo Liliana, os proprietários de antiquários e estabelecimentos do gênero da cidade foram alertados sobre o roubo. A suspeita é de que quem levou o material sabia da importância dos itens e, por isso mesmo, tenha interesse em tirar proveito financeiro por meio da venda dos objetos.

Por enquanto, não há pista dos ladrões, mas um detalhe chamou a atenção, como observou Liliana: "Quem arrombou as portas do instituto conhecia muito bem o prédio, tanto que utilizou os acessos de circulação pelos fundos", alternativas restritas aos íntimos daquele espaço. Ela espera que a divulgação do roubo possa, de alguma maneira, impedir a receptação. Ou seja, que, consciente ou não, alguém venha a adquirir as peças criminosamente retiradas do instituto.

Segundo Liliana, o sumiço de algumas peças foi imediatamente notado. Um exemplo é o estojo com uma medalha de ouro dentro da qual estava um exemplar da primeira Constituição brasileira, de 1824. "Mas há casos em que só com passar do tempo vai-se dando conta da ausência", ressaltou.

Na hemeroteca (coleção de jornais e revistas), no oitavo andar, ficaram alguns vazios, denunciando que dali levaram publicações sobre relevantes fatos de um determinado momento da história. Ela conta que os vestígios do roubo deixaram uma sensação desoladora. Nas escadas, havia estilhaços de vitrines onde muitos objetos eram guardados, restos de etiquetas de identificação e molduras separadas dos quadros. Entre esses, uma obra do artista plástico José Wasth Rodrigues, do final do Século 19 e começo do Século 20. Entre os objetos, todos originários de doações, estavam coleções completas de porcelanas do período imperial, bem como a coleção de moedas, da mesma época, medalhas de condecoração e insígnias; a espada usada pelo general Bertoldo Klinger, comandante do Exército Constitucionalista da Revolução de 32; bilhetes de membros da Corte e o caderno de caligrafia de D. Pedro I.

Para a professora Cecília Helena Salles de Oliveira, historiadora do Museu Paulista da Universidade de São Paulo (USP), o episódio demonstra a gravidade de uma prática que ganhou vulto nos últimos dois anos e que precisa ser combatida. "Não é um simples furto de um instituto, mas um patrimônio retirado da sociedade brasileira e que acaba se transformando em um bem particular". Para ela, tudo indica que se tratar de uma ação encomendada e assim "que o caso arrefecer, esses bens, normalmente comercializados no mercado negro, vão aparecer à venda ao público, em feiras ou lugares do gênero e quem sabe até fora do Brasil".

A historiadora disse que é preciso desencadear-se no país um movimento de conscientização sobre o valor histórico e cultural desses objetos como forma de tornar um pouco menos vulneráveis os locais onde se guardam esses bens. Para ela, será muito difícil recuperar o acervo roubado. Cecília Helena ressaltou que já se defende, há muito tempo, a necessidade de uma legislação internacional capaz de coibir a comercialização ilegal de peças desse tipo. Com o roubo no instituto, desembargadores, professores e pessoas ligadas à preservação da memória cultural voltaram a se manifestar nesse sentido.