Ciência e Tecnologia diz que artigo na Science atende a interesses escusos

22/10/2004 - 21h44

Lana Cristina
Repórter da Agência Brasil

Brasília - O Ministério da Ciência e Tecnologia divulgou nota à imprensa em resposta ao artigo publicado por dois pesquisadores norte-americanos na revista científica Science, sobre o enriquecimento de urânio que o Brasil planeja fazer em escala comercial na usina de Resende, no Rio de Janeiro, que dá capacidade ao país de produzir ogivas nucleares.

O ministério, por meio da unidade responsável pelo programa nuclear brasileiro, a Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN, manifestou estranheza em relação ao artigo, bem como sua repercussão na mídia.

Na nota, o ministério registra que o artigo foi publicado na seção Fórum Político, que não reflete necessariamente os princípios científicos da Science. "Principalmente aceitando um artigo de autores que desconhecem a planta e a tecnologia brasileiras e desconhecem o andamento das negociações com a Agência Internacional de Energia Atômica", diz a nota.

"A fragilidade da argumentação e leviandade das afirmações só podem ser devidas a uma grande desinformação ou a interesses escusos, ambos os motivos incompatíveis com uma revista científica do prestígio e tradição da Science", afirma ainda a nota.

A íntegra da nota publicada pelo MCT:

"O Ministério da Ciência e Tecnologia, por meio de sua unidade responsável pelo programa nuclear - a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) -, manifesta profunda estranheza e perplexidade em relação ao artigo publicado pela revista Science, na edição de 22 de outubro de 2004. Temos, reiteradamente e pacientemente, informado e esclarecido à imprensa nacional e internacional sobre o assunto.

Entretanto, o texto em questão, mesmo em se tratando da seção Fórum Político, extrapola largamente a metodologia e os princípios científicos que sempre caracterizaram a Science, principalmente aceitando um artigo de autores que desconhecem a planta e a tecnologia brasileiras e desconhecem o andamento das negociações com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).

A fragilidade da argumentação e leviandade das afirmações só podem ser devidas a uma grande desinformação ou a interesses escusos, ambos os motivos incompatíveis com uma revista científica do prestígio e tradição da Science.

Como é do conhecimento de todo especialista em salvaguardas ou mesmo de um cientista bem-informado, um enfoque de salvaguardas para planta de enriquecimento envolve muito mais que só a contabilidade do material que entra e sai da planta. Além dos registros e relatórios de material nuclear, existem verificações sobre a engenharia, verificações sobre a construção, análises destrutivas e não-destrutivas do material, análises ambientais que permitem detectar, mesmo em partículas ínfimas (1/10.000.000.000.000 de grama), o grau de enriquecimento e mesmo a estimativa da capacidade de enriquecimento da planta e sua efetiva utilização.

Afirmar que "se algum dia o Brasil mudar de idéia (sobre seus princípios de não-proliferação), seu urânio enriquecido a 3.5% já terá recebido mais da metade do trabalho necessário para obter material para bomba" (tradução nossa) equivale a dizer que nenhum país pode ter acesso à tecnologia nuclear. Mais ainda, significa partir do princípio que os objetivos do país são escusos. O papel da AIEA baseia-se em três pilares: garantir (1) a não-proliferação, (2) o acesso de todos os países às benesses da tecnologia e (3) o uso seguro dessas tecnologias. O Brasil tem cumprido sempre com todos os compromissos assumidos, razão pela qual as negociações sobre os procedimentos de salvaguarda para planta de Resende têm transcorrido dentro da mais absoluta normalidade e serenidade, como não podia deixar de ser".