Guaribas, PI e PE, xarás na geografia da miséria

13/07/2003 - 12h21

Xico Sá

Guaribas, 13/7/2003 (Agência Brasil - ABr) - Guaribas, Piauí, sempre foi xará de Guaribas, Pernambuco, no batismo, na necessidade e no esquecimento.

Para chegar na primeira, é preciso enfrentar crateras e um deserto de areia. A paciência _ aditivada _ é o combustível certo para os 653 km que separam a cidade da capital Teresina. Se for fraco, fica no meio da vereda. Tanto o homem como o carro. Moto, boa para laçar os buracos, e lombo de jegue, que nunca foi mesmo de reclamar de pouca coisa, são os veículos ideais para a viagem. Como bem recomendam, aliás, os moradores do lugar diante das queixas dos visitantes que se aproximam carregados de "frescuras" e de "nove horas" _ o mesmo que nenhenhéns.

A Guaribas pernambucana parece perto do Recife. É uma comunidade remanescente de quilombos situada no agreste, município de Bezerros, a 108 km da capital pela BR 232. É uma rodovia recém-batizada de Luiz Gonzaga, homenagem ao rei do baião, que muito bateu pernas por aquela estrada.

Tão perto, tão longe.

Na sede do município ninguém sabe direito para que rumo fica. No mapa convencional, trabalho perdido, gasto de vista à toa. No posto de gasolina, "Gua-o-quê, meu senhor?", perguntam os frentistas. Os motoristas de lotações nunca foram, os carros de feira nunca chegaram lá. O policial jamais apartou brigas naquele mundo, o poder público esqueceu o caminho faz muito tempo.

São mais 40 km de Bezerros até aquele pé-de-serra. Na estrada, ninguém dá notícia do povoado. Mas uma alma convicta e embriagada _ os cachaceiros são andarilhos _ finalmente tinha certeza do rumo. Não deu para chegar de carro no terreiro de Guaribas, mas o veículo ficou perto. Uma breve descida a pé. E, pronto, destino cumprido.

Esquecida desde que se tornou uma vila, no começo do século passado, a Guaribas piauiense entrou no mapa, como dizem os mais velhos da cidade, depois de se tornar vitrine e pioneira do programa Fome Zero, no início deste ano. Tudo cheira a novo por lá: as casas em construção, as escolas com adultos rabiscando o nome pela primeira vez, a água perto das residências, as cartas de amor da primeira agência dos Correios, os lençóis de algodão da pousada aberta recentemente, o esmalte forte do primeiro salão de beleza.

A xará pernambucana, nos grotões onde moram as famílias que descendem de escravos do século XIX, ainda vive o banzo do esquecimento. Os moradores ouviram falar da homônima piauiense pela TV. Como as áreas de quilombolas serão incluídas no Fome Zero, os moradores de lá imaginam dias melhores com as ações do programa. Não querem nada demais, só entrar para o mapa também.