Mobilização é o segredo de comunidade quilombola da Bahia

20/11/2013 - 10h36

Thaís Antônio
Enviada Especial da EBC

Cachoeira (BA) - Aos 57 anos, Juvani Jovelino, da Comunidade Kaonge, da Bahia, se apresenta primeiro como professora e depois como líder espiritual dos quilombolas. “Sou primeiro professora porque eu sempre tive esse sonho de ensinar, para que as crianças da comunidade não saíssem dadas [fossem entregues para algum parente ou conhecido criar], como eu fui”, diz. Juvani deixou sua comunidade aos 7 anos para morar com a madrinha “para estudar e não ficar burra”, contou à Agência Brasil.

Ela jamais quis estudar fora da comunidade. Depois de ter ido morar com a madrinha, Juvani só voltava nas férias, a cada seis meses. O dia de partir para a escola era sempre um sacrifício. “Não queria sair. Chorava na saia da minha mãe, chorava na saia da minha avó”, lembra. “Mas a parte formidável é que eu aprendi muitas coisas. Aprendi a bordar e a costurar.”

Ser professora com diploma e anel no dedo, era um sonho de criança. A morte do pai e da mãe em menos de um ano interrompeu o sonho de Juveni quando tinha 16 anos. Como estudava fora, teve de voltar para cuidar dos oito irmãos – a mais nova tinha 3 anos – e parou de estudar na 7ª série.

Mesmo com a vontade constante de retomar as aulas, o seu retorno às tradições da comunidade não foi fácil. Ela teve de lidar com a perda e com a falta de habilidade para desenvolver as atividades do quilombo. “Eu não sabia fazer nada. Aí eu fui aprender a ir para a maré, que é a sobrevivência da comunidade, tirar ostra, tirar sururu, cavar mirim na lama, fui aprender a bater azeite, catar dendê, limpar mandioca e a plantar manaíba”, revela. Com o tempo e a ajuda das pessoas, a menina aprendeu “a fazer tudo para a manutenção da nossa sobrevivência.”

A professora herdou do pai um terreiro de umbanda e duas mesas com “dois bancos de tira”. Decidiu assumir a espiritualidade e a vocação de professora. Passou a dar aulas para as crianças da comunidade nas mesas do pai. Chegou a ter 68 alunos. As pessoas pagavam as aulas com marisco, farinha, batata e mandioca. “E eu ficava satisfeita porque eu não tinha”, lembra.

As aulas eram dadas debaixo de um pé de manga, porque a casa era pequena para a quantidade de crianças. “O meu giz era carvão. O papel dos meninos escrever, era papel pautado ou papel de embrulho, em que se embrulhava o arroz e o feijão naqueles tempos”, lembra. Depois, chegou o quadro-negro. Giz só vinha da cidade, de vez em quando.

“Se antes era bom ficar dentro da comunidade, hoje é bem melhor. Pelo seguinte: hoje, no colégio tem computador, geladeira, televisão, caixa de som amplificada”, diz. Juveni acrescenta que a escola também conta com infaestrutura básica antes inexistente como a água encanada. Antes da água chegar pelas torneiras ela recorda o tempo que carregava potes na cabeça .

O lema da comunidade é “Um por todos e todos por um”. “Aqui ninguém se divide. A gente ensina isso no colégio. Outro dia, em uma aula de pintura, para eles não se esquecerem o que é importante, eu perguntei qual era a sobrevivência maior da comunidade. Eles responderam: ‘ o dendê e a maré”. Aí eu disse: É isso aí!”.

Juvani casou-se, teve dez filhos – muitas delas professoras – e é diretora da escola da comunidade e líder espiritual dos kaonges. Faz palestras com sua história para os turistas que visitam a comunidade. Debaixo de um pé de tamarindo, ela aponta a mangueira sob a qual dava aulas. A vocação de ensinar, ela não esquece.

Edição: Marcos Chagas

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