Major que atuou no Carandiru diz que viu clarão dos tiros disparados por presos

31/07/2013 - 22h26

Elaine Patricia Cruz
Repórter da Agência Brasil

São Paulo – A segunda etapa do julgamento do Massacre do Carandiru prossegue na noite de hoje (31) com o depoimento do major Marcelo Gonzales Marques, que era tenente da Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (Rota) na época em que o massacre ocorreu, em outubro de 1992. Marques é um dos 25 policiais que estão sendo julgados pela morte de 73 detentos que ocupavam o terceiro pavimento (ou segundo andar) do Pavilhão 9 da antiga Casa de Detenção do Carandiru e, em seu depoimento, disse que viu os detentos disparando armas de fogo. “Era tiro. Vi o clarão dos disparos”, declarou.

Por volta das 16h, disse Marques, os policiais da Rota receberam o comando de ir ao Carandiru. Lá, os oficiais da Polícia Militar, entre eles o próprio Marques, participaram de uma reunião na sala da diretoria da Casa de Detenção, onde também estavam juízes, o diretor do Carandiru, José Ismael Pedrosa, e o coronel Ubiratan Guimarães, que comandou a operação no dia do massacre. Em depoimento, Marques contou que Pedrosa informou sobre o que estava acontecendo no Pavilhão 9 e falou da necessidade de intervenção da Polícia Militar.

Segundo Marques, os diretores do Carandiru temiam que a rebelião no Pavilhão 9 se espalhasse para outros pavilhões do complexo penitenciário e que ocorressem muitas mortes entre os presos devido ao conflito entre duas facções que buscavam o controle do local. “Houve a rebelião, que começou no início da tarde. Os funcionários foram postos para fora do local pelos presos e tinham duas facções criminosas rivais. Não havia mais condições da administração intervir”, disse, informando o que ouviu da direção do presídio na época.

“Falou-se na possibilidade de que os presos estivessem armados com armas de fogo, armas brancas e agulhas e saquinhos com sangue contaminados com [o vírus] HIV”, acrescentou. Marques disse que a diretoria do presídio também contou sobre a possibilidade dos policiais encontrarem presos feridos ou mortos, em decorrência de brigas entre os presos, quando entrassem no Pavilhão 9.

Após ouvir o relato da direção do presídio, narrou Marques, o coronel Ubiratan usou um rádio, equipamento de comunicação que era utilizado na época pela Polícia Militar, para conversar com o então secretário de Segurança Pública, Pedro Franco de Campos. “Pelo que pude perceber, o secretário disse ao coronel que a ordem de entrada [no Carandiru] ficaria a critério dele [do coronel]”, falou.

A Rota se preparou para entrar no local. A ideia inicial era que a Rota fosse a última tropa a entrar no Pavilhão 9. Quando avisaram as tropas que havia se instaurado um caso de exceção no presídio, por causa dos disparos com armas de fogo feitos pelos presos, a proposta inicial foi abandonada e a Rota foi a primeira a entrar no local, equipada com metralhadoras e revólveres. Estabeleceu-se então que a Rota ficaria no terceiro e no segundo pavimentos. Nos pavimentos superiores ficariam os policiais do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) e do Comando de Operações Especiais (COE).

Quando seu grupo entrou no pavilhão, contou Marques, deparou-se com objetos sendo arremessados pelos presos das janelas, tais como privadas, máquinas de escrever e sacos de urina e de fezes. “Os presos também lançaram armas brancas na nossa direção”, falou.

Os presos haviam obstruído a entrada do pavilhão com móveis e colchões e, após a retirada dessa barricada, contou Marques, ele viu presos feridos no acesso às escadas que levavam a cada um dos pavimentos. “Os presos sangravam”, disse, relatando também ter ouvido estampidos de armas de fogo. Os policiais do seu grupo seguiram, então, pelas escadas, ao terceiro pavimento, onde também ouviram estampidos de balas.

No pavilhão, segundo Marques, houve pelo menos três confrontos entre policiais e presos. No primeiro deles, ele contou que os presos dispararam contra os policiais. “Era tiro. Vi o clarão dos disparos”, disse, ressaltando que os presos também atiravam objetos contra eles, tais como barras de ferro. No primeiro confronto, ele contou ter visto um primeiro policial ferido. “Seguimos pela esquerda [do pavimento] e, na virada, houve outro confronto. Os presos atiraram contra nós”. No terceiro confronto, o embate foi corpo a corpo. “Nesse momento eu fui esfaqueado no antebraço direito”, falou.

Após os três confrontos, os policiais conseguiram conter a movimentação dos presos e eles voltaram para suas celas. Toda a ação no Carandiru, segundo Marques, durou entre 15 ou 20 minutos. Os policiais acusados se dizem inocentes e que agiram no Carandiru em legítima defesa.

Antes do depoimento de Marques, meio da tarde de hoje, 18 dos 25 policiais que são acusados foram ouvidos pelo juiz Rodrigo Tellini de Aguirre Camargo e se mantiveram em silêncio e não responderam a nenhuma das perguntas feitas pelo juiz ou pelos promotores do caso. Apenas o sargento Roberto Alves de Paiva confirmou a pergunta feita pelos promotores sobre se tinha ficado ferido na ação policial no Carandiru e mostrou a marca de bala que tem no antebraço. Os promotores mostraram a ele um laudo da época que dizia que ele tinha sido baleado no braço, mas Paiva disse que o laudo era mentiroso. Três outros policiais ainda devem ser ouvidos na noite de hoje (31). Outros dois apresentaram atestado médico e não estão presenciando o julgamento, embora também estejam sendo acusados.

Pela manhã, o ex-capitão Valter Alves Mendonça foi interrogado. Em depoimento, ele disse que, ao entrar no segundo andar (terceiro pavimento), viu clarões de disparos de armas de fogo vindos dos presos, ouviu estampidos e sentiu o impacto de tiros no escudo que carregava. O ex-capitão disse que entrou em dois confrontos com os presos e chegou a ser ferido. “Levei pauladas e estiletadas. A paulada foi na perna e fui cortado por estiletes no braço”, disse.

Toda a ação para reprimir a rebelião em 1992 resultou em 111 detentos mortos e 87 feridos, ficando conhecida como o maior massacre do sistema penitenciário brasileiro. Nesta etapa, estão sendo julgados 25 policiais militares acusados. Até segunda-feira (29), falava-se em 26 réus, mas o Tribunal de Justiça (TJSP) confirmou ontem (30) que um deles morreu. Na primeira etapa do julgamento do Carandiru, que foi desmembrado em quatro etapas, 23 policiais militares, todos da Rota, foram condenados pela morte de 13 detentos, ocorrida no segundo pavimento.

Edição: Fábio Massalli

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