Ex-capitão da PM diz que presos do Carandiru entraram em confronto e efetuaram disparos de armas de fogo

31/07/2013 - 15h27


Fernanda Cruz
Repórter da Agência Brasil

São Paulo – O primeiro réu interrogado na segunda etapa do julgamento do Massacre do Carandiru, ex-capitão Valter Alves Mendonça, prestou esclarecimentos hoje (31) em plenário sobre sua atuação durante a rebelião do Pavilhão Nove da Casa de Detenção.

Ele disse que ao, entrar no segundo andar (terceiro pavimento),  viu clarões de disparos de armas de fogo vindos dos presos, ouviu estampidos e sentiu o impacto de tiros no escudo que carregava. Valter informou ainda que, após o confronto, chegou a recolher duas armas que pertenceriam aos presos. Nenhum disparo, segundo ele, teria sido efetuado de fora para dentro das celas.

Durante o julgamento, que começou ao meio-dia no Fórum Criminal da Barra Funda, Valter disse que era capitão da 3ª Companhia do 1º Batalhão de Choque das Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (Rota). Ele integrava o turno vespertino, que inciava os trabalho às 15h e encerrava às 23h, tendo como responsabilidade cuidar das ocorrências de maior destaque. Ele contou que, naquele 2 de outubro de 1992, foi informado sobre um princípio de rebelião no Carandiru, mas orientou sua tropa, que fazia patrulhamento na zona norte da cidade, para que não se aproximasse do presídio e aguardasse ordens.

Valter disse que por volta das 15h daquele dia, foi acionado pelo comandante da operação na Casa de Detenção para que desse apoio para conter a rebelião. O ex-capitão e sua tropa chegaram no presídio às 16h. Lá, Valter disse ter percebido o nervosismo do então diretor do Carandiru, José Ismael Pedrosa. “Ele andava de um lado para o outro, eu percebi que ele [Pedrosa] queria intervenção. Disse que o Pavilhão Nove estava incontrolável”. Segundo Valter, a maior preocupação do ex-diretor era que a rebelião chegasse ao Pavilhão Oito, onde estariam os presos mais perigosos, e também que houvesse fuga em massa.

Nesse momento, o coronel Ubiratan Guimarães recebeu, por telefone, autorização do secretário de Segurança Pública, Pedro Franco de Campos, para ingressar no presídio. Segundo Valter, o chefe de segurança Moacir dos Santos já tinha conversado com os presos e teria dito que o diálogo seria impossível.

Assim, os policiais definiram a estratégia de entrada das tropas. À frente, estava o 2º Batalhão de Choque com escudeiros e o efetivo da Rondas Ostensivas com Apoio de Motocicletas (Rocam), com cerca de 130 homens. Atrás, seguiram as tropas do 3o Batalhão, também com escudeiros. De acordo com Valter, a Rota ficou por último, com 14 equipes. O ex-capitão declarou que comandou a metade do efetivo, com 7 equipes. Segundo ele, a Rota ingressou no segundo andar (terceiro pavimento).

Valter relatou que, assim que entrou no presídio, num espaço de 40 metros entre o portão e o pátio de acesso, havia outra barricada em chamas sendo apagada pelos bombeiros. A fumaça preta, contou ele, entrou pelos corredores e fez com que a visibilidade ficasse reduzida. Nesse momento, ele disse que encontrou quatro corpos, um deles sem cabeça. Ao ser questionado pela promotoria sobre o porquê de ter contado apenas hoje da existência de um preso sem cabeça, Valter disse que  “talvez, naquela época, não tenha achado relevante contar”.

Portando uma submetralhadora 9 milímetros e um escudo (sem nenhum equipamento de proteção individual), Valter disse ter ingressado com sua equipe de 30 homens em um corredor de 5 metros de largura e 40 metros de comprimento. Esse teria sido o único lugar onde o ex-capitão e sua tropa teriam atuado.

“Passamos por muita água e chegamos no primeiro andar. Eu subi para o outro lance de escada, tinha mais obstáculos e ingressamos no segundo andar. Ao dar os primeiros passos, a 7 metros, eu vi clarões, ouvi estampidos e senti impactos no meu escudo. Neste momento, efetuei disparos. O sargento Cavalcante tomou um tiro e caiu gritando de dor. Eu recolhi duas armas e tentei prosseguir”, disse Valter.

O ex-capitão disse que entrou em dois confrontos com os presos e chegou a ser ferido. Levei pauladas e estiletadas. A paulada foi na perna e fui cortado por estiletes no braço”. Contra sua equipe, nos dois confrontos, ele diz que foram disparados oito tiros. Valter declarou que não viu disparos do corredor, feitas por policiais, para dentro das celas. “Fiquei lá [no corredor] por 15 minutos, no máximo”, disse ele.

Após o ocorrido, Valter disse que levou presos e policiais feridos em sua viatura ao Pronto-Socorro de Santana. “Eu fui medicado e liberado, retornei para o presídio, mas não pude mais entrar”. O ex-capitão disse, além disso, que recolheu de 10 a 12 presos mortos. Quanto aos policiais, Valter disse que viu dois sargentos, dois soldados e um major serem feridos no confronto. Valter informou ainda que duas armas de presos foram apreendidas por ele.

Toda a ação para reprimir a rebelião em 1992 resultou em 111 detentos mortos e 87 feridos, ficando conhecida como o maior massacre do sistema penitenciário brasileiro. Nesta etapa, estão sendo julgados 25 policiais militares acusados. Até segunda-feira (29), falava-se em 26 réus, mas o Tribunal de Justiça (TJ-SP) confirmou ontem (30) que um deles já morreu.

Até agora, a segunda fase do julgamento já ouviu testemunhas como o ex-governador de São Paulo Luiz Antonio Fleury Filho, o ex-secretário de Segurança Pública Pedro Franco de Campos e o perito Osvaldo Negrini Neto. Se o cronograma for mantido, amanhã (1), o julgamento continua com a leitura de peças e exibição de vídeos. Para sexta-feira (2), está programado o início da fase de debate entre acusação e defesa. A decisão dos jurados deve sair na madrugada de sexta-feira para sábado (3).

Edição: Denise Griesinger
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