Representante do Brasil na OEA fala sobre reformulação do Sistema Interamericano de Direitos Humanos

29/03/2013 - 12h50

Leandra Felipe
Correspondente da Agência Brasil/EBC

Bogotá – O Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH), marco das Américas para a promoção e proteção dos direitos humanos é composto pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CorteIDH). Há quase dois anos, a Organização dos Estados Americanos (OEA) estuda a reformulação do SIDH.

Os países-membros já têm consenso sobre recomendações para reformas na comissão, mas ainda existem países que não ratificaram a convenção Americana de Direitos Humanos, como os Estados Unidos e o Canadá. Dentro desse cenário, o Brasil defende a universalização integral da CIDH, ou seja, que todos os Estados-Membros ratifiquem a Convenção e ainda definam critérios mais claros e transparentes para a aplicação de medidas cautelares, equilíbrio entre promoção e proteção dos direitos humanos e que o financiamento da comissão seja cada vez mais vinculado a recursos próprios do orçamento da OEA.

Atualmente, a organização é responsável por 45% do financiamento da comissão, os 55% restantes vêm de doações voluntárias, quase sempre de países que não fazem parte da OEA. O representante interino do Brasil na Missão da OEA em Washington, ministro Breno Costa, explicou em entrevista exclusiva à Agência Brasil alguns detalhes sobre as mudanças que os países membros estão propondo à comissão.

Agência Brasil: De modo geral, o que já é consenso entre os países-membros?
Breno Costa: Depois de quase dois anos debatendo este tema, com reuniões, consultas aos estados e à sociedade civil conseguimos chegar a 67 recomendações de reformas à CIDH. Entre eles destacamos a questão do financiamento que deve ser, no médio e longo prazos, proveniente do fundo orçamentário da própria OEA e não de doações voluntárias; a transparência e a claridade jurídica nos critérios adotados para a aplicação de medidas cautelares pela comissão; e também a universalização da comissão, ou seja, a participação integral dos membros, com ratificação, assinatura e submissão à competência da corte (tribunal).

Agência Brasil: Quais são as críticas quanto às medidas cautelares?
Breno Costa: Os países bolivarianos, como o Equador e a Bolívia criticam o fato de a comissão aplicar medidas cautelares, porque no texto da convenção não havia esta prerrogativa. Atualmente, o regulamento da comissão prevê o uso deste instrumento. Para o Brasil a medida cautelar é importante, e acreditamos que a comissão tem legitimidade para utilizá-la. O que víamos de problema era o fato de que antes, os critérios na adoção do instrumento não eram claros e ficavam a mercê da vontade política da presidência ou secretaria executiva da CIDH. Por isso recomendamos que o uso seja amplamente fundamento e o embasamento seja claro e jurídico.

Agência Brasil: E o financiamento? Como a OEA arcará com as despesas totais da CIDH?
Breno Costa: O financiamento integral será gradual, fazendo com que dependamos menos de doações. Hoje, como a maior parte do financiamento vem de doações voluntárias de outros países e organismos (a maioria europeus), muitos têm questionado a eficácia da CIDH em defender os interesses do estados membros e não daqueles países que apoiam a Comissão. A defesa do financiamento somente com o fundo da OEA é fundamental para fortalecer o sistema. Isso não acontecerá de forma instantânea porque há restrições e limites dentro da OEA, que também sofreu cortes de recursos.

Agência Brasil: E sobre a ratificação e participação dos membros? O Equador e a Bolívia ameaçaram deixar o sistema se os Estados Unidos não ratificarem a convenção.
Breno Costa: A CIDH está afinada com o que os bolivarianos dizem no sentido de favorecer a universalização dos instrumentos da comissão. O Equador, principal voz opositora dentro do sistema, diz: “Por que os Estados Unidos e o Canadá que não são parte (não ratificaram) podem participar, dar palpite, eleger comissários? Por que tenho que me manter aqui, se esses países sofrem menos influência do sistema que os países plenamente membros?" Para o Brasil, este questionamento é válido e queremos combater o fato de que dentro da CIDH existam membros com níveis diferentes. Essa diferença, em termos de ratificar, aceitar competência e assinar acordos, leva a tratamentos diferentes, por isso é com razão que existem as queixas.

Agência Brasil: E o que os Estados Unidos e o Canadá alegam?
Breno Costa: Os EUA afirmam que querem ratificar a convenção, mas o Congresso americano não concorda. Eles dizem que o Executivo quer, mas o Legislativo não deu sinal verde. O Canadá alega que tem leis mais avançadas que as aplicadas pela convenção e que assinar seria um retrocesso interno. Cada um tem seus argumentos e desculpas para não fazê-lo. O Brasil vê que essa desigualdade dá margem para questionamentos e ameaça o sistema.

Agência Brasil: O Brasil está de acordo com a ideia do Equador de que a sede da CIDH deve sair de Washington, caso os Estados Unidos não ratifiquem a convenção?
Breno Costa: Não estamos na linha de frente desta defesa, mas não somos contrários à ideia. Se a maioria entender que a CIDH deve ter sede em um país-membro, não nos oporemos.

Agência Brasil: Qual a importância da CIDH para o Brasil e, em síntese, que mudança é essencial?
Breno Costa: O Brasil reconhece o papel histórico da comissão, especialmente na época das ditaduras nas Américas. Mas a CIDH tem de se modernizar, agora vivemos em um período de democracias. A estrutura da comissão sofreu poucas mudanças ao longo deste período, então ela precisa se adaptar a novas realidades. Adaptação para não ter mais uma postura de confronto, mas de diálogo, que é o que está acontecendo agora, com este processo de reforma.

 

Edição: Denise Griesinger

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