Realocação é principal motivo de impasse entre governo e quilombolas da Bahia

02/08/2012 - 17h10

Luciana Lima
Repórter da Agência Brasil

Brasília - Mesmo com a conclusão do relatório elaborado pelo Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) que reconhece que a área do Quilombo Rio dos Macacos, na Bahia, como uma terra remanescente de escravos, a proposta em elaboração pelo governo ainda cogita a realocação das famílias quilombolas para um terreno localizado a 500 metros do local. Esse é o principal ponto de divergência entre os moradores e o governo, e faz com que o impasse continue. 

O ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência da República, se reuniu ontem (1º) com o ministro da Defesa, Celso Amorim, para tratar do assunto. Ao final do encontro, Carvalho se disse confiante em um acordo. "Nós estamos fazendo uma proposta para a população e esperamos que ela possa ser aceita", disse, ao comentar a contraproposta da Marinha em ceder parte da área que considera de sua propriedade para que os quilombolas possam ter uma entrada independente à região.

"Eu acho que a Marinha foi flexível, fez uma oferta, uma proposta de realocamento do pessoal de maneira que preserva a dignidade das pessoas e agora nós estamos em uma fase de negociação com a comunidade lá", destacou o ministro. "Nós vamos ter uma segunda conversa dentro de uns 15 dias e estamos com esperança de que cheguemos a um acordo."

O quilombo fica a poucos metros da Base Naval de Aratu, no município de Simões Filho, região metropolitana de Salvador. A posse da terra é objeto de uma disputa entre a Marinha do Brasil, que considera a terra de sua propriedade, e os quilombolas. Desde 2010, a Marinha pretende ampliar as instalações da base, onde residem 450 famílias de militares.

Em reunião com os quilombolas, o governo acenou com a possibilidade de construção das casas no terreno a ser oferecido seguindo os moldes escolhidos pela comunidade e disponibilizar também serviços básicos, como fornecimento de energia elétrica, água tratada, coleta de lixo, escola e saneamento básico.

Os quilombolas alegam que o lugar onde moram atualmente é o único com acesso ao rio, após a construção de uma barragem. De acordo com o advogado de defesa dos quilombolas, Maurício Correia, continua firme a posição da comunidade em permanecer no local. Ele informou que a posição é reforçada, principalmente, pelo relatório do Incra.

"A população se mantém firme na posição de não sair da área. Muitos têm umbigo enterrado nas mangueiras e o respeito à relação da comunidade com o local onde mora é previsto na Constituição", disse o advogado. "Além disso, o local onde atualmente se encontra a população é o único com acesso ao rio, desde que a  barragem foi construída. Sair da terra tradicionalmente sua também cria um precedente perigoso", argumentou.

Na comunidade, ao lado da base naval que já foi usada como destino de férias dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e da presidenta Dilma Rousseff, não há esses serviços básicos.

"O que tem de energia elétrica lá vem de uma ligação clandestina. Em toda a comunidade, há uma geladeira que é usada de forma coletiva pelos moradores. Não há esgotamento sanitário e fornecimento de água tratada", disse o advogado.

Segundo os moradores, a Coelba, companhia de eletricidade da Bahia, tentou, sem sucesso, negociar com Marinha uma autorização para instalar linhas elétricas na comunidade. Para se chegar ao local, é necessário passar pelo controle da Marinha, já que não existe acesso independente.

Os moradores reclamam ainda que o esgoto das casas das cerca de 450 famílias residentes na base naval tem sido jogado sem tratamento na barragem.

Hoje (2), os quilombolas tiveram acesso à uma cópia do relatório do Incra, que não foi publicado oficialmente até o momento, medida que daria valor legal ao documento. De acordo com o advogado, na reunião com o governo, os quilombolas concordaram em tratar da publicação e de iniciar as negociações somente após analisarem o documento.

Uma nova reunião ocorrerá dentro de 15 dias. As negociações têm sido conduzidas pela Secretaria-Geral da Presidência da República com o envolvimento de outras áreas do governo, como a Secretaria de Políticas para Promoção da Igualdade Racial (Seppir), a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Ministério da Defesa.

Edição: Carolina Pimentel