Escola paulistana faz sarau para manter jovens e adultos na sala de aula

24/06/2012 - 15h56

Daniel Mello
Repórter da Agência Brasil

São Paulo – Para reduzir a evasão na educação de jovens e adultos (EJA), a professora Maristela Gouveia foi buscar as raízes de seus alunos. “Comecei pela árvore genealógica e eles comentaram que tiveram muitas lembranças da família, do local onde moravam” contou a professora da Escola Municipal Raul Pompeia, que fica na periferia da zona norte paulistana. A partir das histórias, Maristela fez com que os alunos pensassem em músicas. Assim, a ideia cresceu e acabou dando frutos como um livro e um sarau, onde uma banda tocou as canções escolhidas pelos estudantes.

Muitas músicas, que remetem a momentos tristes ou saudades comuns aos alunos do segundo período do EJA (equivalente à 3ª e 4ª série do ensino fundamental) emocionaram o público do sarau. Mesmo em uma noite chuvosa, a maior parte fez questão de comparecer e levar a família, assim como a maioria faz questão de continuar os estudos, abandonados ou nunca iniciados. “Com certeza, este ano eles não abandonam o EJA”, comemora Maristela, por ter conseguido fincar as raízes dos alunos na escola.

Um dos maiores obstáculos dos educadores do EJA é manter os matriculados na sala de aula. “Existe grande dificuldade de manter o aluno do EJA dentro da escola. Eles têm muitos problemas, como a questão do horário de trabalho. Eles também têm a autoestima um pouco baixa”, explica Maristela.

Por isso, a professora usou as histórias de vida de cada um como ferramenta pedagógica. “Mediante cada música, a gente foi fazendo uma aproximação. A gente estudou tudo que era possível, literatura, poesia, interpretação, geografia, história. Além de trabalharmos a inclusão, eles se sentirem importantes”, destaca a professora sobre o projeto. “Quando você trabalha com o significativo, com projetos, você segura os alunos, eles se sentem parte do processo”, complementa.

O trabalho permitiu que Maristela percebesse que seus alunoss tinham trajetórias bastante semelhantes, o que se refletia na escolha das músicas para representá-los. “São músicas que falam de partida. Música que fala da seca no Nordeste, que fala do migrante que vem para cá e é discriminado”, conta a professora, que aproveitou a deixa para introduzir os jovens e adultos em atividades que estavam fora de sua rotina. “Percebemos que eles tinham medo e receio de começar pintura a guache. Dobradura, nenhum aluno da sala tinha feito”, comenta sobre a produção que foi transformada em um livro apresentado no sarau.

Tudo era novo para Geraldo Eloi, um mecânico industrial de 71 anos. “É a primeira vez que me sento em uma sala de aula, que tenho uma professora para me ensinar”, relata o estudante que veio para São Paulo aos 14 anos e hoje tem seis filhos, com idades entre 24 e 44 anos. Ele buscou a escola para ganhar familiaridade com as letras. “Escrever corretamente, isso era o mais necessário”.

Agora, Geraldo serve de exemplo para os colegas. “Para que um espelho melhor que o seu Geraldo, 70 e poucos anos e estudando, vindo todo dia”, comenta o educador ambiental Gileno Timóteo, que retomou os estudos após 17 anos. Originário de Gandu, no sul da Bahia, ele deixou a escola para ajudar no sustento dos 14 irmãos. “Lá, a gente mexia com cacau. Eu colhia o cacau, partia o cacau, secava naquelas barcaças grandes e cuidava de animais também”, lembra.

Mas foi o trabalho atual que o impulsionou a pegar de novo nos cadernos. “Quando havia palestras sobre o meio ambiente na empresa em que trabalho, sempre ia gente de fora, e quando eu ia explicar alguma coisa, sentia que algumas palavras não estavam corretas”. Mas, apesar da motivação inicial ter sido profissional, ele acredita que o maior ganho foi no campo pessoal. “Eu estava quase perdendo a minha família. Porque como  não tive estudo, não media as palavras para falar com a minha mulher, com o meu filho. Agora sim, estou sabendo como tratá-los”, garante.

Para a coordenadora da escola, Heraluise Marques, um importante diferencial da abordagem é a ligação sentimental que ela permite. “Dá oportunidade para eles se colocarem de outra forma, pela emoção. Eles se colocam como pessoas, podem mostrar vivência. E o professor, por outro lado aprende muito com o aluno”, comenta.

Além do sarau, a escola desenvolveu o projeto Trabalhando Arte com Amor, que atende a cerca de 300 alunos e ex-alunos, de diferentes idades, com atividades como xadrez, música, dança e natação. Todas essas ações criam um ambiente estimulante para professores e alunos, na opinião da diretora Aparecida Ficz. “A gente vê um retorno rápido dos alunos, de inclusão. Essas inclusões são trabalhadas de maneira diferenciada e o retorno é muito rápido. A comunidade responde positivamente às propostas da escola”, destaca.

A opinião da diretora é confirmada pela aluna do EJA Sulamita Nascimento, de 28 anos. “Eu acho que é uma forma de os professores se importarem com a nossa história, de verdade”, diz sobre o sarau. A jovem pensa em ser professora, deixando para trás os amargos tempos em que morou em uma favela. À época, sua mãe cantava a música A Casa, de Toquinho e Vinicius, para fazer graça sobre a situação do barraco que tanto incomodava as filhas. No livro e no sarau, os versos “era uma casa muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada” levaram muitas lembranças a Sulamita.

Edição: Graça Adjuto