Coluna da Ouvidoria - A ênfase em um lado da questão impede o equilíbrio da informação

02/04/2012 - 12h19

Brasília - No último dia 14 de março, a ouvidoria recebeu manifestação do leitor Tony Trambell reclamando de uma matéria publicada pela Agência Brasil, no dia 10 de março, sob o título Mais de 60% das capitais brasileiras proíbem uso de sacolas plásticas em supermercados¹. Segundo ele, “a matéria usa números e informações que só interessam a um lado. Um jornalismo sério mostraria os dois lados da moeda ou, pelo menos, questionaria para onde foi o dinheiro economizado pelos supermercados em relação à economia das sacolas plásticas”. A Diretoria de Jornalismo respondeu que "essa é uma questão controversa que envolve diversas opiniões, por isso, delimitamos o foco da nossa matéria” e “optamos por fazer uma matéria alertando o consumidor para o ato de que ter a lei não significa que ela será aplicada, justamente por causa das questões judiciais”. Os lados ouvidos foram uma ambientalista - que abomina o uso de sacos plásticos -, um representante da indústria - que defende o uso consciente dos sacos, e o consumidor - que é o mais atingido pela lei.

No período mais recente - 2011 e 2012 - a ABr publicou 17 matérias sobre o assunto. Em todas elas, a ênfase dada à opção da proibição - além de indicar forte tendência em mostrar que a opinião pública brasileira é favorável à proibição das sacolas, já que são poucas ou inexistentes opiniões contrárias à medida - impediu uma cobertura na qual as vantagens e desvantagens dessa e de outras opções fossem apresentadas, avaliadas e comparadas. Destacamos duas das diversas declarações, das donas de casa Maria do Carmo Santos e Graciana Maria de Jesus, que aparecem na matéria que provocou a reclamação do leitor:

“Eu já abandonei o uso das sacolinhas de plástico há muito tempo. Elas poluem demais e sujam nossa casa. Eu até faço coleção dessas sacolas ecológicas que são lindas, práticas e duram muito mais do que as de plástico”.

“Essas sacolinhas de mercado não valem nada! Além de a gente passar raiva, porque rasgam com facilidade, nem para colocar no lixo servem. Comprei essa bolsa [ecobag], que dá para colocar mais produtos e para carregar é bem melhor”.

A única manifestação que se pode considerar contrária por parte de consumidores não foi feita pelos próprios consumidores, senão pelo diretor de Sustentabilidade da Associação Paulista de Supermercados (Apas), João Sanzovo, registrada pela Agência Brasil em uma matéria publicada no dia 6 de janeiro deste ano. Na matéria, o diretor acredita em resistência inicial por parte dos consumidores, mas entende que todas as mudanças de hábito demoram tempo para serem completamente assimiladas. “Resistências hão de ter, com certeza, mas elas vão ser bem menores porque a grande maioria [da população] está bastante consciente”.

Além das evidências pontuais, a única pesquisa cujos resultados foram divulgados pela Agência Brasil confirma essa tendência. Matéria publicada em novembro de 2010² indica que a proibição do uso de sacolas plásticas para carregar compras é aprovada por 60% da população, segundo a pesquisa Sustentabilidade Aqui e Agora, feita pelo Ministério do Meio Ambiente em parceria com o supermercado Walmart.

Quanto à opinião pública, outras pesquisas revelam forte oposição à proibição: “Gaúchos não querem fim dos sacos plásticos. Uma pesquisa encomendada pela Agas [Associação Gaúcha de Supermercados] ao Instituto Segmento em julho do ano passado mostrou que 81,1% dos consumidores se posicionam contra a proibição do uso das sacolas plásticas no Rio Grande do Sul³.”

“Em agosto passado [2011], uma pesquisa do Datafolha mostrou que mais de 80% dos consumidores entrevistados não concordam em pagar pelas sacolas; para 81% o comércio lucraria com a cobrança; 57% acham que o banimento será prejudicial, e 96% desejam a distribuição gratuita das sacolas biodegradáveis4."

O leitor tem razão ao denunciar os interesses comerciais dos supermercados. Esses interesses não são pequenos: o Valor Econômico divulgou em janeiro de 2012 que só no ano passado, os brasileiros usaram cerca de 12,9 bilhões de unidades de sacolas, que custaram R$ 500 milhões aos supermercados. Não é justo, portanto, que a sociedade arque com os custos da preservação do meio ambiente, quando o ônus deveria ser distribuído de forma justa. A simples proibição das sacolas transfere todo o ônus para o consumidor. Nas cidades (Rio de Janeiro e Vitória, entre outras) onde não há proibição e os supermercados dão descontos aos consumidores que não empacotem suas compras nas sacolas plásticas oferecidas pelos estabelecimentos (R$ 0,03 por cada cinco itens de compras), a distribuição do ônus é muito mais justa, porque o lucro com a economia das sacolas usadas para transportar as mercadorias  se reverte ao consumidor e a solução da questão do acondicionamento do lixo doméstico depende do consumidor.

Enfim, para muita gente o desconto de três centavos por sacola economizada parece irrisório: nem vale a pena. Aí que se enganam. A consciência ecológica, para passar a integrar a rotina das pessoas, depende do exercício de pequenas ações individuais reforçadas pela consciência econômica nas dimensões micro e macro. Três centavos é pouco, mas se o consumo médio anual per capita é 800 sacolas no Brasil, cada cidadão teria direito, na média, a um desconto anual total de R$ 24, suficiente para a compra de uma sacola ecológica. Para as unidades familiares com mais de um membro, esse valor se multiplicaria.

O fato de uma ação individual em si ter pouco impacto não deveria diminuir a consciência de que a repetição da ação pela mesma pessoa tem um impacto significativo e que esse impacto se torna infinitamente maior quando feito pelo conjunto da sociedade. Dentro dessa perspectiva, porém do lado inverso da moeda (literalmente, já que implica conter os prejuízos ao invés de usufruir os benefícios), a alternativa de cobrar pelas sacolas também contribuiria para a redução consciente de seu consumo, com a condição de que a venda das sacolas não passe a ser uma fonte de lucro para os supermercados.

A proibição, ao contrário, mesmo que alcance o mesmo resultado em prazos mais curtos, ao gerar vantagens econômicas apenas para os supermercados, cria uma ruptura entre a consciência ecológica e a consciência econômica em vez de aproximá-las. Na análise dos bens coletivos, os economistas chamam a atenção ao prejuízo do free ride (carona), em que alguns aproveitam o sacrifício dos outros, como é o caso dos "gatos" da rede elétrica. Com a proibição das sacolas, dá-se uma carona aos supermercados, que, além do lucro, se beneficiam da propaganda que os apresenta como defensores do meio ambiente, sem nenhuma participação nos custos, salvo os gastos com a propaganda.