Coluna da Ouvidoria - O que acontece quando não há contraponto?

12/03/2012 - 13h02

Brasília - Pode até ser que a história tenha chegado ao fim, como afirmou o historiador norte-americano Francis Fukuyama, em 1989. Mas existem amplas evidências de que a luta de classes continua viva, ainda que com algumas mudanças na sua forma de embate. Mudanças, vale destacar, provocadas por novas formas de gerenciamento do capitalismo a partir da década de 1970, que afetou todas as esferas sociais.

Foi dentro desse contexto de flexibilidade econômica que ocorreu o desaparecimento do suposto projeto da classe trabalhadora – de reformular a história. Isso não significa dizer que a classe trabalhadora desapareceu. Mas, entender ou imaginar um futuro no qual diferentes segmentos da classe trabalhadora congregarão forças com segmentos da classe de serviços nos novos movimentos sociais, em que uns terão caráter social e outros serão expressão de ideologias ‘radicais-democráticas’, e não de luta de classes.

Dito isso, como entender, portanto, quando a mídia pública, que deveria ser voltada para os interesses do cidadão, resolve abordar o impacto dos feriados na economia sem ressaltar as dimensões que poderiam contextualizar o assunto e sem contraponto, como o fez a Agência Brasil na matéria publicada no 17 de janeiro de 2012 – Feriados causam perdas no comércio de R$ 50 bilhões.

A matéria baseou-se nas declarações de dois economistas. Um é professor de varejo da Fundação Getulio Vargas, Daniel Plá, e o outro, chefe do Centro de Estudos do Clube dos Diretores Lojistas do Rio de Janeiro, Fernando Melo. Ambos apresentam dados que mostram o prejuízo que os feriados acarretaram ao comércio pelo fato de serem dias “parados”. Há ressalvas que reconhecem que alguns setores são beneficiados pelos feriados (hotéis, restaurantes e shopping centers ), mas os dados concretos apresentados são, exclusivamente, relacionados às perdas sofridas e com argumentos que destacam as consequências negativas.

A matéria foi alvo de reclamação de dois leitores. Um, infelizmente, não autorizou o uso de seu nome e nem comentário, mas o outro, Bezalel Gonçalves Guimarães, de Boa Vista, Roraima, autorizou: 50 bilhões!!! Nossa, como é que conseguiram calcular? Isso é balela. Incrível. Esse pensamento é raquítico! As vendas e o consumo durante o ano se constituem em uma só. Nos feriados, claro, caem naqueles dias específicos, mas depois retornam e as pessoas voltam a comprar o que deixaram de comprar naquele dia. Pode ser que a cervejinha, a pizza ou a ida ao shopping desviem o dinheirinho da taberna e do supermercado naquele momento, mas depois a família vai ter que comer arroz e feijão do mesmo jeito. Enfim, devemos entender o comércio como um todo… se a loja não vendeu, os bares e similares venderam e depois esses mesmos estabelecimentos e funcionários ou que lucraram no feriado vão gastar nos outros... Esse é o movimento da economia.

A Diretoria de Jornalismo da EBC respondeu: Lembramos ao leitor que a matéria traz a opinião de um professor da Fundação Getulio Vargas – Daniel Plá – e o que fizemos foi reproduzi-la. Não se trata, portanto, de uma posição da Agência Brasil, que não emite opinião em suas matérias, mas apresenta os fatos para que o cidadão tenha dados para formar a sua opinião. Agradecemos a participação e nos colocamos à disposição.

Após levantamento, constatamos que a agência, afora esta notícia que foi alvo de reclamação, publicou no dia 15 de fevereiro outra matéria abordando o assunto: Feriados vão causar R$ 45 bilhões em prejuízos à indústria nacional este ano, diz Firjan. A notícia procura mostrar que a indústria brasileira deixará de produzir 4,4% do Produto Interno Bruto (PIB) industrial neste ano devido ao elevado número de feriados em relação a 2011.

O levantamento apontou ainda que no ano de 2009, a ABr havia publicado uma notícia sobre o assunto: Número de feriados nacionais no país divide opiniões. Nela, aparecem, além da perspectiva da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), contrapontos do presidente de uma central sindical de trabalhadores e de uma advogada trabalhista. Examinamos as pesquisas realizadas pela Firjan, disponíveis no site do órgão:

http://www.firjan.org.br/main.jsp?lumPageId=402880811F809131011F8AA603885F6A&query=feriados.
 

As pesquisas revelam – como era de se esperar – que a metodologia adotada é altamente favorável à perspectiva empresarial. O cálculo do valor do PIB perdido por todos os setores da economia, em conjunto com cada dia parado devido a um feriado, corresponde ao PIB total dividido pelo número de dias úteis no ano, aproximadamente 260. Esse resultado exagera em muito o valor diário do PIB. Apenas a título de ilustração: os sábados e domingos são tratados como se não existissem do ponto de vista da produção. Como ficaria a situação de fazendeiros e agricultores que ainda não ‘convenceram’ suas criações e suas lavouras a parar nos dias ‘parados’? Como ficaria a situação dos comerciantes e de donos de oficinas que abrem suas portas aos sábados?

É como um dos leitores observou: a economia é complexa, com setores interconectados de várias maneiras. A avaliação do impacto dos feriados na economia requer uma abordagem que leve em conta as “matrizes de insumos e produtos”, não um simples exercício de divisão.

Nas duas notícias publicadas em 2010 – Custo dos feriados para economia será de R$ 150,7 bilhões este ano, estima Firjan e Comércio perdeu cerca de R$ 55 bilhões com feriados em dias úteis de 2009 – novamente a ABr não faz o contraponto. O mesmo ocorre com a notícia publicada em 2011 – Feriados em dias úteis vão provocar perda de quase 4% do PIB, mostra pesquisa.

Se a agência, ao pautar o assunto, tivesse refletido mais sobre o tema poderia ter aproveitado várias possibilidades de repercuti-lo captando outras perspectivas, como:

1) O assunto está na pauta da política em muitos municípios brasileiros onde o Dia da Consciência Negra ainda não é feriado.

2) Os argumentos sobre os prejuízos econômicos fazem parte de uma polêmica composta de outras dimensões que nem sempre são manifestadas abertamente pelos representantes dos órgãos de classe que se opõem aos feriados:

Os feriados contribuem para o aumento do “custo Brasil”, que reduz o poder competitivo do Brasil em relação a outros países;

• A aprovação de feriados é uma medida política demagógica visando à conquista do apoio popular;

Os feriados reforçam a “preguiça” da classe trabalhadora.

3) A análise da economia do lazer, como a economia do turismo, é uma ciência incipiente. Essa condição, além de merecer ser frisada, constitui mais uma razão para ouvir outras interpretações.

Em relação a esse último ponto, podemos citar, por exemplo, um estudo que fez uma correlação entre o PIB per capitao IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) e o número de feriados em 182 países: http://mpra.ub.uni-muenchen.de/17326/1/MPRA_paper_17326.pdf). Os resultados constataram uma forte relação positiva entre o PIB per capita e o IDH e uma fraca relação, porém positiva também, entre o PIB per capita e o número de feriados. Ou seja, quanto maior o número de feriados, maior o PIB. Embora a relação entre o PIB per capita e o número de feriados não seja estatisticamente significativa, o fato de ela ser positiva rebate os argumentos baseados nos supostos prejuízos causados
pelos dias “parados”. Os feriados não podem ser responsabilizados por baixos níveis de produção.

Por fim, se a Agência Brasil tivesse priorizado o contraponto poderia trazer outros economistas que não compartilham dessa posição, como é o caso do economista Joelson Gonçalves de Carvalho, que discorda que os feriados tragam prejuízos à economia. Poderia, ainda, ouvir outro lado da questão: as entidades representativas dos trabalhadores. O que seria uma boa ocasião para mostrar que essa avaliação faz parte de uma perspectiva econômica que considera o lazer como tempo perdido para a economia. Essa perspectiva, centrada na produção da atividade econômica, desconhece a importância do lazer para o consumo.

 

Boa Leitura.