Polêmica deverá marcar votação do projeto do Ato Médico na CCJ do Senado

04/02/2012 - 10h30

Mariana Jungmann e Iolando Lourenço
Repórteres da Agência Brasil

Brasília - Apesar de existir há milênios, a profissão de médico ainda não é regulamentada no Brasil. Para corrigir isso, um projeto de lei polêmico está tramitando no Senado e deve ser votado em breve na Comissão de Constituição e Justiça da Casa. Conhecido como Ato Médico, o projeto determina atribuições que serão exercidas exclusivamente por profissionais formados em medicina.

Entre essas atribuições previstas no texto estão as de diagnosticar doenças e prescrever os tratamentos. O trecho é o mais polêmico porque outras profissões da área da saúde, como fisioterapia, enfermagem, psicologia e nutrição já praticam esse tipo de procedimento, inclusive em programas do governo federal.

“Esta é uma questão muito preocupante”, diz o secretário do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), Antônio Marcos Freire Gomes. Segundo ele, é comum enfermeiros fazerem diagnósticos de doenças como tuberculose, verminose e anemia, por exemplo. Em locais onde faltam médicos, de acordo com o conselheiro, os enfermeiros assumem esse papel não só diagnosticando os pacientes, como também prescrevendo os tratamentos mais comuns.

“No Programa Saúde da Família [do governo federal], o enfermeiro visita os pacientes e faz uma série de diagnósticos. Uma gestante com anemia, por exemplo, tem sintomas claros e pode ser diagnosticada por um enfermeiro”, explica .

A preocupação do Cofen, segundo ele, não é apenas com as restrições que o projeto traz aos enfermeiros – que poderiam ser acusados de exercício ilegal da medicina se vier a manter a mesma conduta depois de aprovada a lei – mas também com o acesso aos serviços públicos de saúde. Na opinião de Gomes, a proposta não corresponde à realidade brasileira, na qual faltam médicos em alguns municípios.

“Nossa expectativa é que seja construído um texto que atenda a necessidade de regulamentar a profissão de médico, mas que não interfira no exercício de outras profissões e que também não prejudique a população, que é a mais afetada pelas mudanças”, disse.

Na mesma linha, o Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Coffito) também se opõe à aprovação do projeto. Os fisioterapeutas consideram a matéria corporativista e reclamam que têm total condição de prescrever tratamentos na sua área.

O coordenador da Comissão de Assessoria Parlamentar do Coffito, José Roberto Borges dos Santos, acusa os médicos de não se interessarem em atender no interior do país e abandonarem os programas governamentais para as populações mais distantes. “Se o médico está abandonando o Programa Saúde da Família, não vai para o interior, para o Amazonas, como é que você vai determinar que só o médico possa diagnosticar, examinar e prescrever?”, indaga.

Além disso, ele alega que as restrições irão burocratizar o acesso à saúde, uma vez que o paciente que precisar do tratamento de um fisioterapeuta terá antes que procurar um médico. “Ele [o médico] sabe na clínica médica, sabe indicar a cirurgia ou receitar um remédio, mas na hora do tratamento fisioterápico, quem sabe é o fisioterapeuta”, relatou.

O projeto foi apresentado no Senado, em 2002, e só aprovado no ano de 2006, em decisão terminativa na Comissão de Assuntos Sociais. O substitutivo da senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO) seguiu então para a Câmara dos Deputados, onde foi aprovado, em 2009, com novo substitutivo. De volta ao Senado, a matéria recebeu novo texto do senador Antônio Carlos Valadares na Comissão de Constituição e Justiça, onde está atualmente.

Entre as mudanças propostas pelo relator, está a distinção entre os tipos de diagnósticos que podem ser feitos por médicos e por outros profissionais de saúde. Valadares definiu como exclusivo dos médicos o diagnóstico nosológico, ou seja, aquele que identifica doenças. Mas, manteve a permissão a outras áreas de fazerem os “diagnósticos funcional, cinésio-funcional, psicológico, nutricional e ambiental, e as avaliações comportamental e das capacidades mental, sensorial e perceptocognitiva”.

Os médicos, no entanto, permanecem com as prerrogativas de prescrever e executar cirurgias e os cuidados pré e pós-operatórios; fazer qualquer procedimento invasivo seja para fins de diagnóstico, terapia ou simplesmente fins estéticos; indicação de uso de órteses e próteses, exceto as temporárias; fornecer atestados de óbito – exceto em casos de morte natural em localidades onde não haja médico –, de saúde ou fazer perícia médica.

Fica exclusivo aos médicos ainda chefiar serviços de saúde, dar aulas de disciplinas médicas e a coordenação dos cursos de graduação e pós-graduação em medicina. Outros profissionais, no entanto, poderão participar administrativamente da direção dos serviços de saúde.

O coordenador de uma comissão criada no Conselho Federal de Medicina (CFM) para acompanhar as discussões do Ato Médico, Salomão Rodrigues Filho, defende a proposta. Na opinião dele, o texto de Valadares contempla a ideia original e é fruto de um “grande acordo entre os profissionais médicos e da área de saúde”.

Salomão nega que o texto propicie uma “reserva de mercado” aos médicos como vem sendo levantado por alguns opositores da ideia. “Ele resguarda as competências das outras profissões. Não é o médico que está avançando sobre as competências das outras profissões. [O projeto] está apenas delimitando o que é da profissão do médico”, defende Rodrigues.

Ele lembra ainda que em 1957 um lei organizou e reconheceu a profissão de médico, mas não regulamentou. Na época, segundo Rodrigues não existiam tantas profissões da área da saúde e os legisladores entenderam que não era necessário estipular as competências privativas dos médicos. “Em 1957 nós tínhamos apenas três profissões na área de saúde no Brasil: médicos, enfermeiros e farmacêuticos. Desde então, outras profissões surgiram, foram regulamentadas e assumiram funções que antes eram privativas do médico”, explica o conselheiro do CFM.

Se for aprovado na CCJ, o projeto do Ato Médico seguirá ainda para análise das comissões de Educação e de Assuntos Sociais, antes de ir ao plenário do Senado. Independentemente de como ficar o texto, se for aprovada a matéria seguirá para sanção presidencial. Com o retorno dos trabalhos legislativos, a expectativa é que o projeto seja votado na CCJ ainda este mês.

 

Edição: Aécio Amado