Especialistas em segurança pública reforçam denúncia de manipulação das estatísticas de homicídios no Rio

26/10/2011 - 17h26

Isabela Vieira
Enviada Especial da Agência Brasil

Caxambu (MG)- Especialistas em segurança pública defenderam hoje (26) o estudo do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) que constatou manipulação das estatísticas oficiais de criminalidade no estado do Rio de Janeiro. Para os acadêmicos, reunidos em Caxambu (MG) no 35º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, o estudo Mortes Violentas Não Esclarecidas e Impunidade no Rio de Janeiro, do doutor em economia Daniel Cerqueira, está correto quando relaciona a queda do número de assassinatos com o aumento do número de mortes sem motivação determinada. Essa avaliação foi criticada pelo governo estadual.

“A comunidade científica não tem como não concordar com a pesquisa. A análise é absolutamente, tecnicamente, rigorosa e correta”, disse o professor Michel Misse, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Segundo o coordenador do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da universidade, o aumento “substancial” de mortes em que não é possível identificar a causa, como constatou estudo do economista do Ipea, pode mascarar o número real de homicídios.

A pesquisa do economista Daniel Cerqueira mostra que, enquanto os dados oficiais do estado do Rio apontam queda de 28,7% no número de homicídios (entre 2007 e 2009), as mortes sem motivação determinada passaram de 1.857 entre 2000 e 2006 para 4.021 entre 2007 e 2009, sendo que muitas tinham características de assassinato.

Por meio de nota, a Secretaria de Segurança desqualificou a pesquisa do Ipea e disse que não há manipulação dos dados. “O que existe são dois bancos de dados distintos, com finalidades diferentes. A pesquisa do senhor Daniel Cerqueira tem erros básicos”. A secretaria explicou que utiliza estatísticas de inquéritos policiais e do Instituto Médico Legal (IML).

Mas o professor Michel Misse não confia nos dados oficiais, justamente porque são produzidos pelo próprio governo. Misse defendeu o controle externo do processo de elaboração das estatísticas de violência para assegurar transparência. “Fica difícil ter política públicas apoiadas em dados cuja confiabilidade é baixa”, analisou.

O sociólogo Renato Sérgio Lima, secretário executivo da organização não governamental Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que publicou a pesquisa de Daniel Cerqueira, levanta dúvidas sobre os critérios de classificação das mortes pela Secretaria Estadual de Saúde. Segundo ele, a pasta não cumpre recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS). “Morte por agressão não é morte por causa indeterminada”.

Na análise do secretário executivo, diferenças metodológicas entre órgãos de pesquisa sobre criminalidade em todo o país são comuns e precisam ser padronizadas para evitar subnotificação. “Os nossos dados são muito ruins. O Brasil carece de um sistema de informações criminais mais robusto e mais confiável". Para Lima, falta "uma pactuação” entre as instituições que fornecem as informações para os bancos dados nacionais. “Essa é a maior dificuldade”.

A Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) do Ministério da Justiça, por meio do Sistema Nacional de Informações em Segurança Pública, em elaboração desde 2004, quer resolver o problema padronizando metodologias e unificando estatísticas estaduais. Segundo a pesquisadora da Senasp Luciane Patrício, que participou do debate em Caxambu, o ideal seria “um sistema classificatório único”. “Embora o Código Penal seja o mesmo, temos formas de classificação diferente entre os estados. O roubo de gado em um estado pode ser roubo de abigeato em outro”, exemplificou.

Procurada pela reportagem da Agência Brasil, a Secretaria Estadual de Saúde do Rio não deu respondeu aos pedidos de esclarecimento.

Edição: Vinicius Doria