Contratos de entidade de Brasília com empresas investigadas pela PF repetem indícios de irregularidades

23/08/2011 - 18h43

Alex Rodrigues e Daniella Jinkings
Repórteres da Agência Brasil

Brasília - Contratos de prestação de serviços assinados por uma entidade de Brasília conveniada ao Ministério do Turismo e empresas investigadas pela Operação Voucher sugerem que, conforme já apontou o ministro Augusto Nardes, do Tribunal de Contas da União (TCU), o mesmo esquema de desvio de recursos públicos identificado pela Polícia Federal no Amapá “alcança outras unidades da Federação”.

Em dezembro de 2009, a Fundação Universa, com sede em Brasília, contratou por R$ 975 mil a Barbalho Reis Comunicação e Consultoria. Com o aval do então coordenador de projetos da fundação, Dalmo Antônio Tavares de Queiroz, o contrato estabelecia que a Barbalho Reis realizaria “estudos, pesquisa, qualificação e atualização profissional para a melhoria da qualidade dos serviços turísticos”.

O serviço prestado pela Barbalho Reis era necessário para que a Fundação Universa desse conta das ações previstas em um dos convênios que ela havia assinado com o Ministério do Turismo. A Agência Brasil identificou no site Portal da Transparência, do governo federal, quatro convênios firmados pelo ministério com a fundação entre os anos de 2007 e 2010. Juntos, os convênios totalizam R$  29.568.191,00.  

Responsável pelo processo de cotação no qual a Barbalho Reis foi selecionada, Dalmo Queiroz é, segundo o TCU, um dos sócios do próprio escritório de comunicação e consultoria. Com o aval de Queiroz, o contrato foi assinado pelo presidente da fundação, José Manoel Pires Alves, e por um dos sócios da Barbalho Reis, o jornalista  Humberto Silva Gomes.

Investigados na Operação Voucher por suposto desvio de recursos de um convênio do Ministério do Turismo para capacitação de profissionais de turismo no Amapá, Dalmo Queiroz e Humberto Gomes foram presos em caráter preventivo pela Polícia Federal (PF).

Conforme informações obtidas no site da própria Universa, mais duas empresas fizeram propostas durante o processo de cotação de preços nº 006/2008. Uma foi a Jads Assessoria e Consultoria em Gestão Empresarial, que pediu R$ 1,027 milhão para executar o serviço. De acordo com o TCU, a Jads pertence a Aginaldo Fernandes Pimenta e a Hugo Leonardo Gomes, irmão de Humberto Gomes, um dos donos da Barbalho Reis. Hugo também foi preso durante a Operação Voucher.

A segunda empresa foi a Race Consultoria Técnica e Representações, que se propôs a elaborar o estudo por R$ 1,007 milhão. A Race também é investigada pela Polícia Federal e pela Procuradoria-Geral da República no Amapá por suspeita de envolvimento no esquema desvendado pela Operação Voucher. A proposta entregue à Fundação Universa pela empresa é assinada por Eduardo Alves Fayet. Preso em caráter temporário no último dia 9 por suspeita de participação no mesmo esquema, Fayet é, segundo o TCU, sócio de Humberto Gomes e de Alexandre Ferreira Cardoso no Instituto Brasileiro de Organização do Trabalho Intelectual e Técnico desde 2010. Cardoso também chegou a ser preso temporariamente na Operação Voucher.

Dos oito processos de cotação prévia de preços realizados em 2008 que a Agência Brasil localizou no site da fundação,  a Barbalho Reis, a Jads e a Race disputam, entre si, quatro. Três deles foram vencidos pela Race que, no processo nº 003/2008, cobrou os mesmos R$ 975 mil cobrados pela Barbalho Reis no processo 006. Abertos no dia 10 de dezembro de 2008, os dois processos foram concluídos com diferença de apenas um mês. Um contrato foi assinado em dezembro de 2009 e o outro, em janeiro de 2010.  A Barbalho Reis venceu também a disputa com a Norwell System e com a Race em outro processo (nº 008/2008).

Pela Portaria Interministerial 127/2008, que estabelece as normas relativas às transferências de recursos da União mediante convênios, a cotação prévia de preços é a exigência mínima a ser cumprida por entidades privadas sem fins lucrativos, que devem observar os princípios da  impessoalidade, moralidade e economicidade.

No último dia 17, o TCU decretou o bloqueio dos bens de Dalmo Queiroz, Humberto Gomes, Hugo Gomes, Aginaldo Pimenta e Alexandre Cardoso e de outros investigados pela Procuradoria-Geral do Amapá por suspeita de irregularidades nos contratos com o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento de Infraestrutura Sustentável (Ibrasi), com o qual o Ministério do Turismo firmou convênios de capacitação a serem executados no Amapá. Para o ministro Augusto Nardes, os indícios de irregularidades encontrados neste estado não eram casos isolados.

"Eles [indícios] apontam para a existência de um modus operandi de desvio de recursos públicos oriundos de convênios celebrados pelo ministério com entidades privadas, alcançando, inclusive, outras unidades da Federação além do estado do Amapá”, apontou, na semana passada, o ministro, que é relator de três processos sobre convênios firmados pela pasta do Turismo. O TCU decidiu auditar todos os convênios firmados pelo ministério de 2008 a 2011 com órgãos e entidades públicas ou privadas.

Não há, contudo, processo instaurado pelo TCU para apurar a contratação de empresas pela Fundação Universa. Já a Procuradoria da República no Distrito Federal informou que há um inquérito civil público que investiga possíveis irregularidades em um convênio do Ministério do Turismo com a entidade, no qual foram contratadas outras empresas que não as citadas. Como o processo corre em segredo de Justiça, não foram fornecidos mais detalhes.

Outro empresário que chegou a ser preso e ter seus bens bloqueados em decorrência da Operação Voucher foi Fábio de Mello, que é sócio das empresas contratadas pela Universa. De acordo com o TCU, Mello também é um dos sócios da Barbalho Reis e do Instituto Brasileiro de Organização do Trabalho Intelectual e Técnico. Mello é também dirigente da Sociedade Evangélica Beneficente (SEB), entidade sem fins lucrativos com sede em Curitiba, mantenedora do Hospital Evangélico e da Faculdade Evangélica.

A SEB é outra empresa investigada por suspeita de desvio de recursos oriundos de convênios assinados com o Ministério do Turismo. Trechos de escutas telefônicas gravadas pela Polícia Federal com autorização judicial e já exibidos por órgãos de imprensa revelaram uma conversa entre Mello e o ex-secretário executivo do ministério do Turismo Frederico Silva Costa, investigado pela suspeita de ser um dos mentores do esquema. Nas gravações, Costa “ensina” Mello a montar uma ONG (organização não governamental) de fachada para fechar convênios com o governo federal. As autoridades responsáveis pela investigação ainda não confirmaram se as vozes ouvidas realmente são de Mello e de Costa.

Mantenedora das universidades Católica de Brasília e do Tocantins e do Centro Universitário do Leste de Minas, a Fundação Universa é uma entidade sem fins lucrativos que atua também no setor de concursos públicos. A fundação foi, por exemplo, responsável pelos concursos para preenchimento de 504 vagas na Embratur (o valor das inscrições variava entre R$ 45 e R$ 75) e de 112 no Ministério do Turismo (inscrições de R$ 35 a R$ 62). Procurados pela Agência Brasil, o ministério e a Embratur disseram ontem (22) que os concursos estão mantidos.

Procurada pela reportagem, a Fundação Universa, que não é alvo de investigações, limitou-se a responder, por meio de nota, que Dalmo Queiroz está suspenso de suas atividades. A entidade instalou uma comissão para auditar todos os contratos assinados à época em que ele ocupou a coordenação de projetos.

Edição: Nádia Franco