Adolescentes caiçaras de Paraty vão pela primeira vez à escola

17/06/2011 - 12h56

Isabela Vieira
Repórter da Agência Brasil

Rio de Janeiro- Os dedos calejados de redes de arrasto agora seguram um lápis. Aos 53 anos, o ex-pescador Francisco Sobrinho vai completar o ensino fundamental. Morador de uma comunidade  acessível somente por barco, em Paraty, no sul fluminense, ele é aluno da primeira turma de 6º série de ensino fundamental da comunidade e terá aulas por meio de um programa de telecurso.

Assim como o ex-pescador, adolescentes do Pouso da Cajaíba e de mais cinco comunidades costeiras da região não concluíram os estudos. Até maio, as escolas só atendiam até o 5º ano. O problema foi denunciado em 2009 pelo Conselho Tutelar do Município e divulgado pela Agência Brasil. Na ocasião, cerca de 130 crianças e adolescentes estavam sem estudar.

"Foi uma luta muito grande. Pressionamos  a prefeitura, o Ministério Público [Federal]. Estudei naquela escola até a 5ª série e só  hoje pude retornar", conta Francisco Sobrinho, também conhecido como Ticote. Uma das principais lideranças da região, ele está há cinco anos engajado na reivindicação por escolas aos caiçaras - como são chamados os moradores.

Com o projeto de telecurso, chamado Azul Marinho e lançado hoje (17) pela Fundação Roberto Marinho e pela  prefeitura, a expectativa é que 200 alunos terminem o ensino fundamental em um ano e meio. Eles já estão de olho no ensino médio. "Não podemos perder tempo, estou me sentido como um jovenzinho que vai  para a escola a primeira vez, não podemos perder isso ", afirmou Ticote.

A Secretaria Municipal de Educação de Paraty não explica porque o ensino demorou tanto tempo para ser implantado na parte costeira, mas destaca as dificuldades de acesso à região. Para se chegar às comunidades é preciso pegar barcos ou caminhar por até dez horas. Por isso, os seis professores contratados para o telecurso vão morar nas localidades do programa.

"Também foi criada uma metodologia que parte das experiências de vida do aluno e de sua cultura, aliando-a ao nosso material que traz o currículo nacional, com o português, a matemática e a física, por exemplo", acrescenta a gerente de Educação da Fundação Roberto Marinho, Vilma Guimarães.

Outro impeditivo para a aplicação do projeto com mais antecedência, era a falta de energia elétrica nas comunidades. Até hoje, algumas casas e escolas da região são abastecidas por geradores e placas de energia solar, que agora permitirão o funcionamento de televisão e DVDs do curso, no horário da tarde, já que pela manhã a unidade recebe as crianças.

Para atender aos alunos caiçaras adolescentes e adultos, foi feito um levantamento entre os moradores e turmas foram selecionas nas praias Pouso da Cajaíba,  Ponta da Joatinga, Saco Claro, Calhau, Ponta Negra e Praia do Sono, onde serão duas turmas do 6º ao 9º ano.

*A série de reportagens sobre a falta de escolas na região costeira de Paraty foi finalista do 10º  Prêmio Ayrton Senna de Jornalismo.

Edição: Graça Adjuto