Fazenda onde ocorreu Massacre de Felisburgo pode ser desapropriada mesmo sendo produtiva

30/04/2007 - 22h29

Alessandra Bastos
Repórter da Agência Brasil
Brasília - A Fazenda Nova Alegria, onde em 2004 houve o chamado Massacre de Felisburgo, pode ser desapropriada mesmo sendo considerada produtiva. A medida inédita é respaldada pela Constituição Federal, que garante a perda da terra que não cumprir “função social”. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) fiscaliza apenas a produtividade. A partir de agora, afirma o procurador-geral do Incra, Valdez Adriane Faria, o órgaão vai vistoriar a função social dos imóveis que constam na “lista suja” do trabalho escravo do Ministério do Trabalho e Emprego.“A ação contra a fazenda seria a primeira ação concreta do poder público e o primeiro caso desse tipo de desapropriação”, diz. Ele explica que a chamada "função social" engloba o respeito a normas ambientais e trabalhistas e exige que a propriedade esteja a serviço do bem-estar do proprietário e dos trabalhadores para ficar imune à desapropriação. “A fazenda foi considerada produtiva do ponto de vista econômico, mas descumpre a lei, porque causou conflito social”.Faria destaca que o processo de desapropriação está ainda em trâmite. Depois de ser analisado pelo departamento jurídico do Incra, deverá passar pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e ainda precisará de sanção presidencial para ser validado.O Massacre de Felisburgo - pequena cidade mineira do Vale do Jequitinhonha (MG) - ocorreu em novembro de 2004. Na fazenda de 1,9 mil hectares, cinco trabalhadores do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foram mortos e 17 ficaram feridos. As famílias das vítimas lutam por indenização.O fazendeiro Adriano Chafik e funcionários acusados das mortes ainda não foram julgados pela Justiça. Mas, segundo o procurador-geral do Incra, só o fato de haver conflito violento na fazenda já justifica a desapropriação da terra.“Não precisa do resultado do processo penal, basta a existência do conflito causado pelos proprietários, já que a solução, à época, era procurar a Justiça para o despejo da terra e não querer fazer justiça com as próprias mãos”, explica Faria.Se amedida for aprovada, propriedades em que forem constatados maus tratos ao trabalhador serão desapropriadas e destinadas à reforma agrária.“Toda terra precisa atender a uma série de questões sociais e, mesmo que o trabalho escravo não seja constatado, maus tratos já são suficientes para a perda do terreno”, explica o procurador. O novo modelo de análise para desapropriação sempre existiu na Constituição. “É um processo de evolução dos poderes e da sociedade. Aos poucos, damos uma interpretação que efetiva, na prática, a Constituição”.Faria lembra que essa interpretação não tira a necessidade da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição 438/2001, que trata da expropriação de toda a terra em que for constatado trabalho em condições análogas a de escravo.“Enquanto o parlamento não aprova, o terreno [em que for constatado trabalho escravo] pode ser desapropriado e não expropriado, ou seja, o poder público deve pagar indenização”.Para o procurador-geral, a importância da medida ultrapassa a reforma agrária, porque "leva a punição do uso da propriedade em detrimento ao ser humano". "O caráter mais importante é pedagógico, contra a escravização”.Faria diz que não há risco de a medida causar um efeito contrário e incentivar trabalhadores a provocarem conflitos violentos. “O poder público tem que ter bom senso. Uma simples ocupação não será motivo para a desapropriação, mas sim, casos extremos".