Brasil precisa perder trauma da inflação, recomenda economista sul-coreano

15/04/2006 - 19h33

André Deak e Daniel Merli
Repórteres da Agência Brasil

Brasília – A hiperinflação dos anos 1980 provocou um trauma no país que precisa ser superado, segundo o economista sul-coreano Ha-Joon Chang. Com formação na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, Chang compara o Brasil a uma pessoa paranóica.

"Esse país é como uma pessoa que estava acostumada a sair, ir a festas, beber, conhecer pessoas. Um dia é atropelada. Então fica paranóica e nunca mais sai de casa, por medo de ser atingida de novo por algum acidente", brinca. "Claro que, ficando em casa, esses acidentes não vão acontecer, mas nada de bom vai acontecer também: não vai arrumar emprego, não vai viver a vida".

Abr: Existe uma discussão enorme no Brasil sobre a taxa de juros. O senhor abordou o tema em sua palestra aqui.

Chang: Basicamente, vocês têm a maior taxa de juros do mundo. Recordes são bons em geral, mas não nesse caso. Isso está matando a indústria. Se você olhar para a taxa de juros reais nos anos 60 e 70, nos países desenvolvidos, estava entre –1% e 3%. Alemanha, 2,8% nos 60 até 1973. Suécia, 1,8%, Suíça, -1%. Coréia do Sul, o tempo todo negativo nesse período.

Vocês tiveram períodos de exceção, mas agora estão estáveis. Ninguém vai investir em empregos e produtividade com essas taxas. Abrir um negócio envolve muita dor de cabeça, lidar com empregados, leis trabalhistas, matéria prima... Você acha que um investidor prefere ganhar 6% com um investimento produtivo ou ganhar 12% com juros?

Abr: O argumento principal do governo é que só com essa taxa de juros é possível manter a inflação controlada e baixa.

Chang: Isso é um erro. Perdeu-se o tempo histórico. Não digo que não houve um propósito no início, quando havia um gatilho inflacionário, mas agora tornou-se totalmente contra-produtivo. Não é racional argumentar que, agora, um aumento da inflação vai fazer a economia sair do controle.

Não há evidência de que uma taxa de inflação de 10%, 20%, seja ruim para o crescimento dos países. O Brasil está assustado com a época da hiperinflação, então pensa que ou a inflação é 5% ou 5.000%. Mas isso só acontece em circunstâncias excepcionais.

Esse país é como uma pessoa que estava acostumada a sair, ir a festas, beber, conhecer pessoas. Um dia é atropelada. Então fica paranóica e nunca mais sai de casa, por medo de ser atingida de novo por algum acidente. Claro que, ficando em casa, esses acidentes não vão acontecer, mas nada de bom vai acontecer também: não vai arrumar emprego, não vai viver a vida.

Abr: Pode citar algum país que teve bom desenvolvimento com taxas de inflação mais altas que o Brasil?

Chang: Claro, a Coréia do Sul, por exemplo, teve taxas de 20% nos anos 90, 60 e 70. Tinha uma das taxas de crescimento mais altas do mundo. Mesmo economistas do FMI dizem que taxas de inflação menores que 10% não afetam a economia. Dois economistas do Banco Mundial, um deles Michael Bruno, mostraram há cerca de 10 anos que abaixo de 40% de inflação não era possível relacionar baixo crescimento e inflação. Não digam que é uma prova de que a inflação de 10% é ok, ou que 20% ajuda, mas isso pode acontecer. Não se pode ser obsessivo e irracional sobre baixa inflação. Não acho que nada entre 5 e 9% possa fazer diferença para a economia. Claro que, se chegar a 35%, começa a ficar preocupante.

E você não sabe o que pode acontecer. Nos EUA, antes dos anos 90, havia a crença de que se o país crescesse mais de 2,5% haveria inflação. Mas o país cresceu depois 4%, e não houve inflação alguma. Se você não tentar, você nunca vai saber qual é o limite. Inflação é um fenômeno muito complexo, não é apenas colocar um número aqui e, conseqüentemente, ter outro número lá.

Abr: Nossa relação entre crédito e PIB é baixa, em comparação com países desenvolvidos. Poderia haver um crescimento maior da economia se tivéssemos um crédito maior?

Chang: Não conheço bem o sistema financeiro brasileiro, mas, como em toda parte, sei que os bancos são conservadores. Como resultado, você olha para a estrutura brasileira, e encontra pouco crédito. Muito crédito não é necessariamente bom, mas as companhias estão crescendo rápido no mundo. No Brasil, crescem a metade. Deve haver alguma relação nisso, as empresas brasileiras não emprestam dinheiro, logo, não expandem.

Abr: Por causa dos juros?

Chang: Sim. Mas também por causa do medo dos riscos. A hiperinflação afetou de maneira muito negativa os brasileiros, eles não saem mais de casa com medo dos riscos. A maneira mais segura, claro, é não fazer nada. Mas se você não faz nada, você não consegue nada. Tenho receio de que tenha gerado efeitos psicológicos ruins para o empresariado brasileiro.