Brasília - “Manifestantes derrubam grades no Palácio Guanabara e polícia reage com spray de pimenta”. Esse foi o título da matéria publicada pela Agência Brasil às 21h03 do dia 12/8 [1]. No mesmo dia, o Portal da EBC também divulgou a matéria, acompanhada de uma foto creditada à Mídia Ninja, com legenda igual ao título [2]. A foto, tirada à noite, mostra uma multidão vista através de uma grade de ferro por alguém que está dentro olhando para fora. As pessoas, muitas delas sentadas à vontade no gramado em frente, estão atentas a algo que está acontecendo, mas que não aparece – ou não aparece com destaque – na foto. Pelo título e pela legenda da foto, o leitor é naturalmente levado a esperar uma cena de confronto entre manifestantes e policiais com danos ao patrimônio público. No entanto, não é isso que a foto mostra, e, quando se passa o mouse na imagem ou se clica nela com o botão esquerdo para aumentá-la, outra legenda aparece: “Manifestação na Câmara Municipal do Rio de Janeiro”.
O que nos chamou atenção para essa matéria publicada pela Agência Brasil foi a reclamação de uma internauta, que enviou o seguinte comentário: “Mas vocês misturaram tudo! Os protestos no Palácio Guanabara aconteceram porque a polícia agrediu professores da rede estadual que reivindicavam melhores condições de trabalho. Governo do estado não tem nada a ver com Câmara Municipal, onde ocorre uma ocupação em protesto pela CPI dos Transportes. Se liguem jornalistas!”.
No texto produzido pela ABr, não há nenhuma referência ao envolvimento dos professores. De acordo com a matéria, os protestos no Palácio Guanabara eram contra a eleição de um vereador correligionário do prefeito para a presidência da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Ônibus na Câmara Municipal do Rio e cobravam providências no caso do morador da Rocinha Amarildo Dias de Souza, que sumiu depois de ser levado à Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do bairro para interrogação.
Essas reivindicações, na verdade, correspondem à pauta dos manifestantes que mais cedo participavam de uma passeata pelas ruas do centro da cidade, com atos de protesto na Câmara Municipal e em várias repartições públicas estaduais. Por volta das 19h, parte dos manifestantes se deslocou do centro para o Palácio Guanabara, distante cerca de 5 quilômetros. O repórter da ABr que cobria os protestos no centro acompanhou o trajeto do grupo. Quando os manifestantes, que eram principalmente integrantes dos Black Blocs, chegaram ao palácio, a movimentação dos professores, que tinham se reunido à tarde com o vice-governador, o secretário de Educação e outros representantes do governo estadual, tinha acabado, com a retirada forçada de um grupo de professores que tentou ocupar o local após a reunião. As referências aos fatos envolvendo os professores, omitidas na matéria criticada pela internauta, só apareceram em matérias publicadas mais tarde pela ABr [3].
No que diz respeito ao uso da foto da Mídia Ninja, de acordo com informações da gerente de Integração de Conteúdos do Portal da EBC, Lídia Neves, em entrevista ao programa da ouvidoria O Público na TV, na edição de 22/08, “o critério [para a publicação de conteúdos colaborativos] é o mesmo que a gente usa para nossos conteúdos. […] um ponto de vista que, se não for neutro, a gente consiga equilibrar com outros conteúdos [...] a gente procura trazer esses conteúdos que são complementares aos conteúdos produzidos pela própria EBC. […] a gente procura essa triagem a partir do filtro editorial que é o Manual de Jornalismo da EBC”.
Na página 32 do manual, mais especificamente na seção sobre o jornalismo participativo, há várias diretrizes que alertam para possíveis deficiências nos conteúdos obtidos de fontes alternativas: a qualidade técnica, a certificação da procedência, a parcialidade, os procedimentos éticos e o respeito aos direitos de pessoas e entidades citadas e a contextualização da informação. Compete ao editor responsável avaliar todos esses aspectos antes da integração dessas informações aos conteúdos da EBC [4].
Esses aspectos são importantes. Mas não consta no manual que a utilização desses conteúdos também exige um trabalho redobrado dos editores no processo de integração. A produção jornalística é coletiva, com a participação de muitos profissionais, mas quando eles são da mesma organização, a integração de conteúdos é mais fácil. Na hora de escolher uma foto para acompanhar uma matéria, por exemplo, pode haver diferenças de opinião baseadas em critérios estéticos, de relevância, etc., mas dificilmente haverá dúvidas sobre a combinação da foto com a matéria, porque normalmente o(a) repórter e o(a) fotógrafo(a) vão juntos na equipe escalada para fazer a cobertura.
Porém, quando a procedência da foto é outra, surge a questão da identificação. Foi exatamente o que faltou na foto publicada no portal. A mesma foto, inclusive, tinha sido publicada mais cedo no portal junto com uma reportagem anterior da ABr sobre a saída do grupo de manifestantes do centro em direção ao Palácio Guanabara, com outra legenda – “Manifestação na Câmara Municipal de Rio de Janeiro em apoio à ocupação que permanece no prédio desde sexta-feira reuniu cerca de 2 mil pessoas nesta segunda-feira (12)” [5]. Isso sinaliza que o problema não estava na identificação da foto na página de Facebook da Mídia Ninja. Lá ela aparece com a legenda correta: “Cerca de 2 mil pessoas estão agora na porta da Câmara Municipal de Rio de Janeiro em apoio à ocupação que permanece no prédio desde sexta-feira. Os MC's Leonardo e Apafunk fazem seu som apoiando a manifestação e celebram agora uma nova cidade” [6]. Ou seja, o foco de atenção da multidão que aparece na foto foi uma apresentação musical, não um confronto.
A forma da publicação da foto no portal, com uma legenda igual ao título da matéria - “Manifestantes derrubam grades ...” – pode ter levado o leitor a imaginar que as grades derrubadas fossem aquelas mostradas na foto – grades de ferro na janela do prédio – ou outras grades que integram a estrutura permanente da edificação, o que implicaria a destruição do patrimônio público e também histórico quando se trata da Câmara Municipal ou do Palácio Guanabara. Na realidade, como se vê nas fotos tiradas por um fotógrafo da própria Agência Brasil e publicadas junto com as matérias posteriores, as grades são aquelas provisórias que a polícia utiliza como barreiras para delimitar áreas de acesso no controle do movimento de pessoas ou de veículos.
O que se pode observar nas notícias tanto da Agência Brasil quanto do portal é que os dois veículos cometeram erros. O texto original produzido pela Agência Brasil revela o erro da pauta de reivindicações do grupo que protestou no Palácio Guanabara, demonstrando, portanto, um desencontro de informações. Já o erro na foto e na legenda ocorreu por parte do portal quando integrou um novo conteúdo, obtido de uma fonte alternativa. Para a ouvidoria, entre outras lições, essa confusão demonstra que a integração de conteúdos depende do trabalho integrado dos veículos.
Boa leitura!
[1] http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-08-12/manifestantes-derrubam-grades-no-palacio-guanabara-e-policia-reage-com-spray-de-pimenta
[2] http://www.ebc.com.br/noticias/brasil/2013/08/manifestantes-derrubam-grades-no-palacio-guanabara-e-policia-reage-com-spray
[3] http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-08-12/protesto-termina-em-confronto-e-depredacao-no-rio
http://www.ebc.com.br/noticias/brasil/2013/08/governo-do-rio-lamenta-confrontos-entre-manifestantes-e-policiais-em-frente
http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-08-13/bairro-de-laranjeiras-amanhece-com-marcas-de-depredacao-apos-protesto
http://www.ebc.com.br/noticias/brasil/2013/08/pm-diz-que-monitora-mensagens-de-manifestantes-nas-redes-sociais
[4] http://www.ebc.com.br/sites/default/files/manual_de_jornalismo_ebc.pdf?utm_source=manual&utm_medium=abr&utm_campaign=2013
[5] http://www.ebc.com.br/noticias/brasil/2013/08/protesto-no-rio-segue-para-palacio-guanabara
[6] https://www.facebook.com/midiaNINJA/photos_stream#!/photo.php?fbid=214669658691187&set=a.164308700393950.1073741828.164188247072662&type=1&theater