Autores comentam influência de novas mídias na literatura

06/07/2009 - 8h10

Lísia Gusmão
Enviada especial da EBC
Paraty (RJ) - Quando Chico Buarque citouLourenço Mutarelli como exemplo de literatura nova, no palcoprincipal da 7ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip),alguém na plateia fechou o semblante e perguntou a quem o escritorse referia. Trata-se do quadrinista autor do livro O Cheiro do Ralo,cuja narrativa urbana foi adaptada com sucesso para o cinema.“Isso é muito novo.Só podia ser livro de quadrinista. Isso é bom para literatura”,disse Chico Buarque.Doutora em literaturacomparada, a professora Beatriz Resende, vibra com a influência deoutras mídias na literatura. Segundo ela, o final do século 20experimentou o diálogo entre literatura e cinema. Cabe ver o que vemagora.“Chico Buarque, umconsagrado, com uma literatura contemporânea, mas que é umaliteratura mais tradicional, destacou Mutarelli, que realmente é umnome muito interessante nesse caminho do quadrinho, de uma outraestética”, disse Beatriz, que participou da Flip como mediadora dodebate O Avesso do Realismo, com o afegão Atiq Rahimi e o brasileiroBernardo Carvalho.Segundo a professora, o“convívio da diversidade” é a marca da atual produçãoliterária no Brasil. Para ela, a peculiaridade deste momento, desteinício do século 21, é a pluralidade, a multiplicidade, com adiversidade em convívio.“A gente tem umconvívio pacífico, de troca e admiração entre uma geração joveme a anterior. Autores já consagrados leem e incentivam os jovensautores, mantendo um diálogo”.Diversidade também éa palavra usada pelo escritor Marcelino Freire para falar deliteratura contemporânea. Ele cita, com entusiasmo, o trabalho depequenas casas editoriais fora do eixo Rio-São Paulo que fogem dasregras comerciais que ditam o mercado literário e desestimulam novosautores.“Hoje um diretorfinanceiro trabalha diretamente com o editor. Eu não sou daquelesescritores que ficam reclamando. Eu sou daqueles que trabalham,porque a gente tem que lembrar que está num país em que se lêmuito pouco, que está em um tempo em que tudo é mais. Você tem DVDcom extras, making of e entrevista com o diretor. Vocêcarrega 1.500 músicas no bolso. Você tem 140 canais de televisão.Como largar tudo isso para pensar num livro e ainda por cimacontemporâneo”?O o escritor manifestaa esperança de que o universo literário se amplie. “Isso dependede uma mudança na geografia das coisas. Um evento como esse aqui emParaty modifica um pouco a geografia da cidade com essas crianças ejovens sabendo que estão homenageando um escritor, que está todomundo aqui reunido para literatura. Não vou estar vivo paraacompanhar este auge. Meus livros estarão aí, caso alguém queiraler”.Para Beatriz Resende,no entanto, o brasileiro lê mais do que compra livros. Ela lembra ofenômeno da literatura na internet, do qual o pernambucano MarcelinoFreire é adepto.Marcelino reclama, porexemplo, do interesse das editoras pelo gênero do romance emdetrimento dos contos e da poesia. “O que me interessa é o gêneroque eu escolhi para me expressar, em que posso dizer as coisas quetenho para dizer com o fôlego adequado. Eu escrevo contos porquetenho completa impossibilidade de escrever romances. Não tenhofôlego para eles”.Segundo ele, na“conversa das editoras” o romance é o gênero por excelência.“Contos, talvez. Poesia, não”. Marcelino reconhece, porém, queo cenário começou a mudar a partir da antologia Os Cem MelhoresContos Brasileiros do Século. “E várias outras antologiasvieram na rasteira. Tudo isso movimentou o mercado de autores e aías editoras começaram a se interessar por contistas.”Beatriz Resende admiteque o romance é o gênero editorialmente privilegiado. O conto,explica, é um traço forte da literatura latino-americana, mas háescritores que não conseguem visibilidade, porque não têm umromance. “Os editores querem o romance, há um apelo pelo romance”,disse Beatriz.Para o jornalista eescritor Humberto Werneck, as editoras privilegiam os romances poruma exigência do leitor. Interlocutor do escritor português AntónioLobo Antunes na mesa Escrever é Preciso e mediador da conversa entreo professor Edson Nery da Fonseca, amigo e correspondente de ManuelBandeira, e o ex-aluno do escritor e jornalista Zuenir Ventura, namesa Antologia Pessoal, Werneck especula que o leitor prefere osromances por considerá-los uma forma de "literatura completa"."Na cabeça doleitor, existe um mecanismo estranho que talvez o faça pensar que umromance oferece mais literatura do que um livro de contos com váriashistórias. Ele prefere comprar uma coisa única a comprar uma coisaque pode ser irregular. É uma peculiaridade", afirmou.Em Angola, o interesseda nova safra de escritores está voltado para a poesia, contouOndjaki, que participou na 7ª Flip de uma discussão com MarcelinoFreire sobre o acordo ortográfico assinado por oito países parauniformizar a língua portuguesa.“A primeira expressãoliterária da nova geração angolana é a poesia. O jovem angolanodiz: ‘sou poeta’. Há uma espécie de sonho, de fixação comessa coisa de ser poeta. Acho que decorre do fato de o poema ser umtexto curto e aparentemente fácil. Então uma pessoa que tem o sonhode ser escritor, em vez de se dar ao trabalho de escrever um romance,escreve um poema de cinco páginas, o que é uma grande armadilha”,alerta o angolano.Assim como no Brasil,os novos escritores de Angola estão preocupados com as tecnologiasmais modernas, mas, por outro lado, produzem uma literatura diferentedas gerações anteriores.“As novas geraçõestêm uma estética mais aberta, mais preocupada com os grandesmodernistas. Há um traço mais ou menos geral de alegria,espontaneidade, fantasia. Isso passa em toda literatura angolananeste momento”, explicou Ondjaki.O angolano citaescritores brasileiros para falar das influências que sua literaturasofreu. “Graciliano ficou na minha memória. A literaturabrasileira foi muito importante para minha formação. E o poetaManoel de Barros mudou a minha forma de escrever”, disse,confessando também a admiração por Clarice Lispector, queconsidera, contudo, “indecifrável”.