Agência Brasil na guerra de informações

13/02/2009 - 8h36

Paulo Machado
Ouvidor Adjunto da EBC
Brasília - “Na sociedade dainformação, a política internacional não é somente feita por meio da utilizaçãoda mídia, mas também percebida por intermédio dela. Ressalta-se que essapercepção oferecida pelos meios de comunicação não é uma pintura fiel de como omundo é, mas, uma construção estruturada em todos os tipos de subjetividadeinerentes ao homem. Por isso, considerar a mídia como um ator relevante nocenário internacional implica a responsabilização das suas atitudes nessecenário. Com efeito, existe a necessidade de discursos mais plurais seremconstruídos. E quando o assunto é guerra, essa necessidade é ainda maisurgente, devido ao fato de que, quando não questionadas, a utilização demanipulações e propagandas não forma somente um consenso ou uma convenção entreos membros da sociedade internacional, mas injustamente legitimam a morte demilhões de seres humanos. O papel da mídia como ator deve igualmente serresponsabilizado por participar, junto com outros fatores, dessa configuração.”(*) Na cobertura do conflito entre Israel e Palestina na Faixa de Gaza, a Agência Brasil realizou uma tentativade informar seus leitores sobre o assunto sem contar com correspondentes naregião, baseando suas informações em agências internacionais com as quaismantém parcerias: Telam, da Argentina, BBC Brasil, da Inglaterra, e AgênciaLusa, de Portugal, com fontes oficiais do governo brasileiro e das embaixadasdos países em conflito, e com moradores da região.       No décimo dia da cobertura e 11º da guerra ( a ABr entrou na cobertura com 24 horas de atraso) a Ouvidoria recebeuuma mensagem do leitor Mario Augusto Jakobskind comentando o que ele chamou de“um equívoco jornalístico e político inadmissível numa empresa pública” , referindo-se ao fato de a Agência Brasil ter publicado, em 28 de janeiro, a matéria Governo brasileiropede a Israel fim de bombardeios à Faixa de Gaza , em que afirmava que "obombardeio (de Israel na Faixa de Gaza) foi uma resposta aos ataques demilitantes do grupo palestino Hamas, que vinham lançando foguetes contra o Sulde Israel". Mario Augusto sugeriu em sua mensagem, entre outrascoisas      que a Agência Brasil, para se diferenciar da mídia hegemônica, deveriase aprofundar na questão. Explicar, por exemplo, o motivo pelo qual o Hamaslança foguetes caseiros contra o exército proporcionalmente mais bem equipadodo mundo.” O leitor assinalou ainda que“Estranhamente, e contraditoriamente em relação ao posicionamento do governobrasileiro, a nota da Agência Brasil não faz referência a um bloqueio suicida que já tem 18 meses de duração, queinclui o corte no fornecimento de eletricidade, água potável, medicamentos aGaza. Nem faz   referência às razões do porquê  milhões de palestinos estaremconfinados em guetos como o da Faixa de Gaza, quando antes da criação do Estadode Israel viviam por ali, por todo o território. “Concluindo o leitor lembrou que “ o mínimo que se exige de um jornalismo que não compactua com o pensamento único écolocar fatos, contextualizá-los, para tentar que os leitores e telespectadorestenham um melhor entendimento sobre os lamentáveis acontecimentos naquela partedo planeta.” Em resposta ao leitor, a ABr informou que “Como não temos correspondentes no exterior, nossas matérias, relativas a questões internacionais  são dadas com base nasagências de notícias com as quais temos convênios - Telam, Lusa e BBC Brasil -e nas manifestações do governo brasileiro.  Nota do Itamaraty, do dia27/12, diz que "o governo brasileiro acompanhou com apreensão aintensificação do lançamento de foguetes por milicianos do Hamas contra o Sulde Israel".... Em outro trecho, a nota afirma que "o Brasil deplora areação desproporcional israelense, bem como o lançamento de foguetes contra oSul de Israel". Como se vê, a própria nota do Itamaraty fala em lançamentode foguetes contra o Sul de Israel.”Só que nem as agências citadas nem o governo brasileiro fizeramafirmativamente a ligação causal entre o bombardeio de Israel e os ataquespalestinos com foguetes. Em todas as fontes citadas sempre foi ressaltado queesse motivo era uma alegação de Israel para justificar a deflagração da guerra.Ao afirmar positivamente que essa era a causa da guerra, a ABr comprou a alegação de Israel comoverdade absoluta e isso causou a mensagem indignada do leitor. Agindo dessamaneira ,a ABr omitiu a informaçãode que o conflito tinha um contexto muito mais amplo, uma dimensão históricaque remonta à criação do Estado de Israel após o fim da Segunda Guerra.Ao decidir fazer a cobertura de assuntos internacionais, sem contar comcorrespondentes suficientes para tal, a AgênciaBrasil fez uma opção editorial e política bastante arriscada. Está setornando mais um ator internacional, responsável pela construção da percepçãode seus leitores e isso “implica aresponsabilização das suas atitudes nesse cenário”, conforme apurou JuliaFaria de Camargo em sua tese de mestrado, no trecho citado no início destacoluna. Se já em 1917, com os correspondentes de guerra presentes no cenário dasbatalhas, o senador norte-americano Hiran Johnson disse que “em uma guerra aprimeira vítima é a verdade”, referindo-se à maneira como os jornais de seupaís cobriram a Primeira Guerra, imaginem como a verdade pode ter sidotratada no atual conflito, no qual os correspondentes foram impedidos porIsrael de ter acesso à região. Esse pode ter sido um dos fatores determinantesda qualidade da cobertura jornalística do atual conflito, fator que atingiuindiscriminadamente a todos os atores noticiosos. É interessante explicitar que, embora muito importante, nãoé apenas a presença no front que garante equilíbrio na cobertura.Muitas agências optam por um dos lados, mesmo quando têm acesso àsinformações. Na cobertura da invasão do Iraque, em 2003, por exemplo,muitos jornalistas norte-americanos integraram oficialmente pelotões doexército dos EUA, o que causou indignação.Na cobertura em geral das agências de notícias, as fontesoficiais foram as que mais se destacaram divulgando versões e construindo umarealidade que pode estar muito aquém dos fatos ocorridos em Gaza – “Ressalta-se que essa percepção oferecidapelos meios de comunicação não é uma pintura fiel de como o mundo é, mas, umaconstrução estruturada em todos os tipos de subjetividade inerentes aohomem”(*). Devido ao cerco e ao isolamento da região promovidos pelogoverno de Israel, talvez jamais o público tenha acesso ao que realmenteaconteceu, ficando registrado apenas o que as agências internacionaisconseguiram apurar nos escritórios das autoridades beligerantes.A partir desse quadro geral de dificuldades, podemos dizer que a coberturada Agência Brasil cresceu e sediferenciou no decorrer dos dias em comparação às demais, conseguindo retrataros esforços do governo brasileiro em mediar e propor soluções para o conflito.Mas uma cobertura feita a milhares de quilômetros de distância não conseguiurefletir a realidade da guerra nem construir um olhar brasileiro sobre aquestão – “Com efeito, existe anecessidade de discursos mais plurais serem construídos”(*). Por enquanto,ficamos, em parte, com a versão de repórteres e editores ingleses, argentinos eportugueses. Ai reside um problema e um desafio, decorrentes da decisãoeditorial de incluir assuntos internacionais na pauta da ABr, que caberá à direção da EBCresolver.Independentemente dos problemas de acesso à realidade dos fatos, nacobertura da guerra, a ABr ficoudevendo a contextualização “para tentarque os leitores e telespectadores tenham um melhor entendimento sobre oslamentáveis acontecimentos naquela parte do planeta”, reclamada peloleitor.Até a próxima semana. (*) –  Ecos do fragor: A invasão do Iraque em 2003– A mídia internacional e a imprensa brasileira , tese de mestrado defendida por Julia FariaCamargo  no Instituto de RelaçõesInternacionais da Universidade de Brasília.