Tiro no rosto identifica crimes cometidos por milícias

28/08/2008 - 11h12

Luciana Lima
Enviada especial
Rio de Janeiro - Se os tiroteios se tornam mais raros nas áreas controladas pelas milícias, as mortes com características de execução aumentam. O crime cometido pela milícia é, geralmente, identificado com um tiro final no rosto. “Os corpos são colocados na rua, sempre no fim do dia, e o último tiro é sempre no rosto. O objetivo é desfigurar completamente a pessoa. Isso amplia o medo, que é um elemento muito importante para quem vende segurança e provoca terror. Essa é a lógica”, descreve o deputado Marcelo Freixo (P-SOL), presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Milícias, instalada na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro.O delegado Marcos Neves, da 35ª Delegacia de Polícia Civil, localizada na área de Campo Grande, entregou à CPI um relatório contendo várias fotos de vítimas da milícia em seu bairro e, em todas elas, os corpos tinham o rosto desfigurado.Imortalizado no cinema nas últimas cenas filme Tropa de Elite, dirigido por José Padilha, o tiro de fuzil no rosto esteve presente no relato de vários pesquisadores. O representante da Justiça Global Rafael Dias destaca que a prática é aplicada contra policiais do bairro que entram em choque com a milícia.“As práticas da milícia são muito violentas. Os casos de morte de policiais que entraram em choque com a polícia apresentaram um traço comum, o tiro no rosto para desfigurar. Não tem como sair da milícia. Se o policial entrou, não tem como sair. Se ele não entrou, tem que no mínimo fazer vista grossa ou colaborar.”A colaboração, de acordo com ele, significa inclusive, “limpar” a área para que a milícia chegue. “Existem relatos de lugares dominados pelo tráfico em que a polícia entrou primeiro, dominou, para depois a milícia chegar e se instalar”, conta.“Com a milícia, as trocas de tiros param, mas as mortes não. Moro no centro de Campo Grande, em uma área mais urbana, sem favelas, e com polícia na rua. Mesmo assim, tenho que pagar R$ 10 por mês por segurança. Todo dia R$ 10, uma mulher loura passa na minha rua recolhendo. Sei que ela é mulher de um policial militar”, relata uma moradora à Agência Brasil. Ela pediu para que seu nome não fosse divulgado temendo represálias.“Na vila onde moro existem cinco casas e todas pagam. Se a gente não paga, o carro aparece arrombado, ou então, ele simplesmente é levado, sua casa é assaltada. Eles [os milicianos] tocam o terror e vendem proteção”, conclui. Uma escola na Favela do Barbante, palco da execução de sete pessoas há cerca de dez dias, já havia suspendido as aulas, uma semana antes da chacina. “Os alunos começaram a ligar para a escola para dizer que não iriam para as aulas, porque não podiam sair de casa com medo de morrer. A diretora resolveu então fechar a escola para não prejudicar os alunos”, explica uma moradora.Os fatos fazem parte do cotidiano de moradores da área controlada pela maior milícia já identificada no Rio de Janeiro, a Liga da Justiça. A organização é apontada como responsável pelo ato “desesperado” – na avaliação do próprio secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame – de assassinar sete moradores da Favela do Barbante.O único propósito da milícia nesse crime foi o de se mostrar necessária, imprescindível no dia-a-dia das dos moradores da zona oeste, de acordo com as investigações da Polícia Civil.“A milícia impõe. Ela é baseada na lógica do terror. Há sempre em um processo de extorsão e de domínio de território pelo controle de atividades econômicas. Vendem a seguinte idéia: eu te protejo de mim mesmo. O eixo é a atividade econômica, a busca é de lucro. Esses grupos têm também perspectivas de poder. Quanto mais organizada e mais forte, maior a representatividade política”, analisa o deputado Marcelo Freixo.Dos executados na chacina na Favela do Barbante, nenhum tinha envolvimento com o crime. As investigações apontam que eles foram escolhidos como alvo da milícia liderada por uma família de políticos influentes na zona oeste do Rio de Janeiro. São chefes dessa família o vereador Jerominho Guimarães, que se encontra preso e seu irmão, Natalino Guimarães, que teve o mandato cassado há duas semanas e que também foi preso.A família luta para levar mais um de seus membros ao Legislativo do Rio de Janeiro. A filha de Jerominho, Carminha Guimarães concorre ao cargo de vereadora e garante que as acusações contra seu irmão, Luciano Guimarães, apontado como mandante da chacina, representam perseguição política do delegado de Campo Grande, Marcos Neves.Luciano Guimarães teria dado as ordens e também participou das execuções, escolhendo aleatoriamente quem iria morrer. Além dele, que teve a prisão decretada, mas está foragido, o delegado aponta como integrantes do grupo de 17 pessoas que teriam matado os moradores da Favela do Barbante três policiais militares que estão na ativa, dois policiais civis e um bombeiro.“Esse atentado teve como objetivo primeiro criar a idéia na comunidade de que a presença de milicianos é imprescindível. Eles tentaram atribuir os crimes ao tráfico”, avalia o delegado.