Rodrigo Savazoni
Enviado Especial
Porto Alegre - O escritor uruguaio Eduardo Galeano é, ele próprio, um evento. Todas as vezes que esteve na capital gaúcha para participar do Fórum Social Mundial reuniu uma verdadeira multidão para ouvi-lo falar. Hoje, não foi diferente. Convidado para discutir a questão da água no mundo, ao lado da ativista canadense Maude Barlow e de militantes uruguaios e bolivianos, Galeano superlotou a tenda que foi reservada para a sua atividade e falou também sobre política e democracia.
Num espaço que deveria abrigar 600 pessoas, mais de mil se aglomeraram para ouvir a palestra do autor que se tornou mundialmente conhecido com As Veias Abertas da América Latina. Galeano iniciou a sua fala em tom de despedida. "Dizem que esse Fórum vai ser o último em Porto Alegre. Não sei se será. Seja como for, eu quero dizer, em nome de todos os cidadãos do mundo que acreditam que um outro mundo é possível: muito obrigado".
O evento desta sexta não teve a dimensão da conferência de 2003, em que Galeano falou para um público de 14 mil pessoas no ginásio do Gigantinho. Mas o calor, que naquela ocasião marcou os participantes do Fórum, foi o mesmo. A intensidade do discurso, também. Naquela ocasião, o escritor falou sobre Paz e Valores. Nesta, fez a defesa enfática de um bem que ele considera ser a razão de guerras vindouras: a água.
Em outubro do ano passado, o povo uruguaio foi chamado a opinar em um plebiscito oficial sobre a privatização da água. Cerca de 65% dos eleitores decidiram votar não e garantir que a água seja tratada pelos seus governantes como um direito humano fundamental. "Em 2004 ocorreu como se fosse um milagre, uma dupla vitória do povo. Que de milagre não tinha nada, mas foi fruto da humildade do trabalho da militância. Um processo que cresceu desde o pé. Como crescem as manhãs, as flores e os amores", disse.
A dupla vitória à qual Galeano se refere são a inédita eleição de um presidente de esquerda, Tabaré Vasquez, da Frente Ampla, e a derrota da privatização da água. "Nunca vamos esquecer o que foi estar na noite dessa dupla celebração, essa invasão de alegria pelas ruas de Montevidéu".
Sob aplausos esfuziantes, proferidos por um público formado em sua maioria de jovens, o escritor que produziu um dos relatos definitivos sobre as ditaduras militares que acometeram a América Latina nos anos 70 – Dias e Noites de Amor e de Guerra – fez uma defesa enfática da democracia. Segundo ele, o plebiscito uruguaio revelou uma vontade de democracia direta que deve servir de exemplo para outros povos..
"A esperança recuperou a democracia usurpada", sintetizou. O escritor alertou, no entanto, que é preciso cuidar da esperança, uma jóia feita de cristal. "Quando se rompe, é muito difícil recompô-la", afirmou.
Antes de despedir-se em definitivo, sob o coro de "O povo, unido, jamais será vencido", Galeano sintetizou o motivo pelo qual, para ele, a América Latina seguirá resistindo: "Nós podemos pensar com nossas cabeças, decidir sobre o nosso futuro, porque o nosso maior recurso natural se chama dignidade".