fatos https://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil//taxonomy/term/132617/all pt-br Coluna da Ouvidoria - Na cobertura dos fatos cotidianos, como a mídia pública deve se comportar? https://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil//noticia/2012-04-30/coluna-da-ouvidoria-na-cobertura-dos-fatos-cotidianos-como-midia-publica-deve-se-comportar <p> Bras&iacute;lia - Que a m&iacute;dia tem uma forte influ&ecirc;ncia na forma&ccedil;&atilde;o da opini&atilde;o p&uacute;blica &eacute; indiscut&iacute;vel. De acordo com a pesquisadora Juliana de Brum, &ldquo;a pauta das conversas interpessoais &eacute; sugerida pelos jornais, televis&atilde;o, r&aacute;dio e internet, propiciando aos receptores a hierarquiza&ccedil;&atilde;o dos assuntos que devem ser falados/pensados&rdquo; <a href="#_ftn1" name="_ftnref1" title="">[1]</a>.</p> <p> Seguindo essa linha de racioc&iacute;nio, muitas das informa&ccedil;&otilde;es que pontuam as conversa&ccedil;&otilde;es cotidianas das pessoas s&atilde;o oriundas da m&iacute;dia. As opini&otilde;es dos comentaristas dos diversos ve&iacute;culos da m&iacute;dia, por exemplo, repercutem na mente das pessoas quando, sozinhas ou juntas, tentam definir sua posi&ccedil;&atilde;o em rela&ccedil;&atilde;o aos temas &ldquo;quentes&rdquo; do momento. A pr&oacute;pria escala&ccedil;&atilde;o dos assuntos que devem merecer sua aten&ccedil;&atilde;o &eacute; parcialmente determinada pela m&iacute;dia. Esse &uacute;ltimo aspecto ganhou corpo sob forma daquilo que os pesquisadores denominam da hip&oacute;tese de &ldquo;agenda-setting&rdquo; (ou agendamento)<a href="#_ftn2" name="_ftnref2" title="">[2]</a>. A teoria explica a rela&ccedil;&atilde;o entre a intensa cobertura de um fato pela m&iacute;dia e a import&acirc;ncia desse fato para a sociedade. Acredita-se que o agendamento acontece porque a imprensa &eacute; for&ccedil;ada a ser seletiva ao noticiar os fatos. Os <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Jornalismo" title="Jornalismo">profissionais de not&iacute;cias</a> atuam como <em>gatekeepers</em> (porteiros) da informa&ccedil;&atilde;o, deixando passar algumas e barrando outras, na medida em que escolhem o que noticiar e o que ignorar. O que o p&uacute;blico sabe e com o que se importa em dado momento &eacute;, em grande parte, um produto do <em>gatekeeping</em> midi&aacute;tico<a href="#_ftn3" name="_ftnref3" title="">[3]</a>.</p> <p> Os estudos realizados para testar a hip&oacute;tese do agendamento descobriram que o efeito tem certas particularidades. Uma &eacute; que a durabilidade do agendamento &eacute; curta. A tend&ecirc;ncia &eacute; para a aten&ccedil;&atilde;o das pessoas logo se deslocar para novos assuntos. Outra &eacute; que o efeito n&atilde;o &eacute; uniforme. As pessoas nas quais o agendamento tem maior impacto s&atilde;o: 1) &ldquo;pessoas que participam de conversas sobre quest&otilde;es levantadas pelos meios de comunica&ccedil;&atilde;o social&rdquo; (ao contr&aacute;rio das pessoas mais introvertidas ou cujas conversas giram mais em torno de assuntos pessoais); e 2) pessoas que t&ecirc;m &ldquo;uma alta necessidade de orienta&ccedil;&atilde;o&rdquo;, caracterizada pela combina&ccedil;&atilde;o de &ldquo;alto interesse e um alto n&iacute;vel de incerteza&rdquo;, o que as leva a se expor mais &agrave; m&iacute;dia noticiosa. Em terceiro lugar, o efeito varia de acordo com a natureza do assunto. Quando o assunto &ldquo;n&atilde;o &eacute; envolvente&rdquo;, ou seja, distante da experi&ecirc;ncia direta da pessoa, o impacto do agendamento &eacute; maior.&nbsp;</p> <p> &Eacute; relativamente f&aacute;cil perceber como, em fun&ccedil;&atilde;o dessas caracter&iacute;sticas, o agendamento &eacute; um fen&ocirc;meno que se presta &agrave; explora&ccedil;&atilde;o pela m&iacute;dia comercial como uma estrat&eacute;gia para colocar seus produtos no mercado. Ao darem mais destaque a algumas not&iacute;cias do que a outras - de prefer&ecirc;ncia sobre assuntos &ldquo;n&atilde;o envolventes&rdquo; - os ve&iacute;culos da m&iacute;dia comercial despertam o interesse nesses assuntos das pessoas cujo n&iacute;vel de interesse em geral por not&iacute;cias &eacute; alto e &eacute; maior a depend&ecirc;ncia delas para resolver suas incertezas - provavelmente maior ainda quando se trata de assuntos em que lhes falta experi&ecirc;ncia direta para servir de orienta&ccedil;&atilde;o. Esse p&uacute;blico fica cativo e &eacute; induzido a voltar &agrave;s mesmas fontes em busca de mais informa&ccedil;&otilde;es, gerando uma esp&eacute;cie de retroalimenta&ccedil;&atilde;o.&nbsp; Ao mesmo tempo os assuntos destacados atraem a aten&ccedil;&atilde;o das pessoas que s&atilde;o mais ativas no compartilhamento das informa&ccedil;&otilde;es obtidas da m&iacute;dia com seus pares. Em muitos casos essa caracter&iacute;stica soma &agrave;s anteriores, gerando um efeito &ldquo;bola de neve&rdquo;, que, junto com a retroalimenta&ccedil;&atilde;o, resulta no aumento da procura das not&iacute;cias divulgadas pelos ve&iacute;culos respons&aacute;veis pelo agendamento. S&oacute; que as not&iacute;cias n&atilde;o s&atilde;o os &uacute;nicos produtos oferecidos. Nas visitas, o p&uacute;blico n&atilde;o apenas encontra as &uacute;ltimas not&iacute;cias, mas se exp&otilde;e &agrave;s mensagens publicit&aacute;rias das empresas que patrocinam os ve&iacute;culos e &agrave; linha editorial que muitas vezes reflete afinidades com grupos pol&iacute;ticos e econ&ocirc;micos com os quais os ve&iacute;culos t&ecirc;m v&iacute;nculos.</p> <p> Alguns dos mesmos elementos que fazem com que o agendamento funcione tamb&eacute;m contribuem &agrave; sua curta dura&ccedil;&atilde;o. Especialmente quando o n&iacute;vel de incerteza &eacute; alto e os assuntos n&atilde;o s&atilde;o envolventes (n&atilde;o envolvem a experi&ecirc;ncia direta), as pessoas tendem a se contentar com respostas f&aacute;ceis ou chegam logo &agrave; conclus&atilde;o de que o assunto n&atilde;o tem solu&ccedil;&atilde;o e se cansam do assunto em destaque. Ent&atilde;o, est&aacute; na hora de mudar a agenda, encerrando o ciclo de um assunto e abrindo o ciclo de outro. Os ciclos de not&iacute;cias destacadas passam a integrar a din&acirc;mica de produ&ccedil;&atilde;o dos ve&iacute;culos da m&iacute;dia comercial e das expectativas do p&uacute;blico receptor/consumidor. O agendamento ainda tem outro aspecto, que &eacute; o verso da moeda: a exclus&atilde;o. Alguns assuntos s&atilde;o omitidos; outros s&atilde;o tratados sem destaque, sinalizando ao p&uacute;blico que esses assuntos n&atilde;o t&ecirc;m import&acirc;ncia.</p> <p> Enfim, toda essa discuss&atilde;o sobre a hip&oacute;tese do agenda-setting foi provocada n&atilde;o somente para entender o padr&atilde;o de procedimentos t&iacute;pico da m&iacute;dia comercial, mas para&nbsp; questionarmos como &eacute; que m&iacute;dia p&uacute;blica dever&aacute; se comportar? Primeiro, &eacute; claro que alguns princ&iacute;pios de organiza&ccedil;&atilde;o da pauta t&ecirc;m que existir, n&atilde;o s&oacute; para facilitar a compreens&atilde;o por parte do p&uacute;blico, mas tamb&eacute;m para orientar as atividades dos profissionais. Dito isso, quais s&atilde;o os princ&iacute;pios que deveriam ser seguidos em lugar do agendamento e os ciclos de not&iacute;cias que caracterizam a m&iacute;dia comercial? Enquanto aguardamos o lan&ccedil;amento do <em>Manual de Jornalismo</em> da <strong>EBC</strong> &ndash; que deve acontecer em breve &ndash; podemos anotar alguns princ&iacute;pios e pr&aacute;ticas alternativos que poderiam ser levados em conta.</p> <p> Em primeiro lugar, o respeito &agrave; diversidade, um princ&iacute;pio reiterado na lei que criou a <strong>EBC</strong> e nos estatutos que definiram a estrutura e as finalidades da organiza&ccedil;&atilde;o. Para tornar efetivo esse princ&iacute;pio, o trabalho de reportagem se obriga a abrir um leque mais amplo de assuntos e dar-lhes um tratamento mais igualit&aacute;rio do que costuma acontecer onde se adota a estrat&eacute;gia de agendamento.</p> <p> Em segundo lugar, qual a defini&ccedil;&atilde;o dos crit&eacute;rios de inclus&atilde;o/exclus&atilde;o na pauta? Embora a <strong>Ag&ecirc;ncia Brasil </strong>n&atilde;o adote a estrat&eacute;gia do agendamento, os crit&eacute;rios referentes &agrave;s fontes - quais as que s&atilde;o ou n&atilde;o aceit&aacute;veis &ndash; t&ecirc;m consequ&ecirc;ncias na escolha dos assuntos que s&atilde;o abordados.&nbsp; Observa-se que persiste uma prefer&ecirc;ncia por fontes oficiais, o que faz com que a pauta sofra uma grande influ&ecirc;ncia da agenda das autoridades, sobretudo do Poder Executivo, mas tamb&eacute;m dos Poderes Legislativo e Judici&aacute;rio.</p> <p> Esaa prefer&ecirc;ncia, &agrave;s vezes, resulta em algo parecido com agendamento. Na <em>Coluna da Ouvidoria</em> de 18/11/2011, intitulada &ldquo;Uma novela chamada corrup&ccedil;&atilde;o&rdquo;, tratou-se de uma demanda na qual uma leitora pediu que a <strong>Ag&ecirc;ncia Brasil </strong>desse tanto destaque &agrave;s den&uacute;ncias de corrup&ccedil;&atilde;o na Assembleia Legislativa de S&atilde;o Paulo [Alesp] quanto &agrave;s do Minist&eacute;rio do Esporte: &ldquo;Eu n&atilde;o vi, nos destaques das not&iacute;cias, a cobertura do esc&acirc;ndalo de corrup&ccedil;&atilde;o por venda de emendas parlamentares da Assembleia Legislativa de S&atilde;o Paulo. Por favor, voc&ecirc;s n&atilde;o podem &lsquo;sentar em cima do caso&rsquo; e n&atilde;o dar o mesmo destaque que est&atilde;o dando para as den&uacute;ncias de corrup&ccedil;&atilde;o que envolvem o Minist&eacute;rio do Esporte! &hellip; N&oacute;s aqui em S&atilde;o Paulo somos completamente &oacute;rf&atilde;os de uma m&iacute;dia de qualidade; somos manipulados pela m&iacute;dia convencional, de forma que nunca ficamos sabendo das imund&iacute;cies e irregularidades que acontecem no estado. Voc&ecirc;s n&atilde;o podem omitir isso do p&uacute;blico tamb&eacute;m, por favor!&quot;</p> <p> A <strong>Ag&ecirc;ncia Brasil</strong> respondeu: &ldquo;Como a pr&oacute;pria Alesp n&atilde;o acolheu as den&uacute;ncias e n&atilde;o instalou uma CPI, n&atilde;o havia fato novo que justificasse a continuidade da cobertura. Estamos atentos ao assunto e, assim que houver fatos novos, retomaremos a pauta.&rdquo; Mas a vota&ccedil;&atilde;o na Alesp j&aacute; era um fato novo, digna de alguma cobertura &ndash; quem votou a favor, quem votou contra, e os poss&iacute;veis motivos &ndash; e o respeito ao corporativismo da Alesp acaba sendo mais ou menos equivalente a respeitar o ditado de colocar a raposa para vigiar o galinheiro. Como essa, outras demandas que chegam &agrave; ouvidoria nos imp&otilde;em a tarefa de, volta e meia, questionar qual o comportamento que dever&aacute; ter uma ag&ecirc;ncia p&uacute;blica de not&iacute;cias.</p> <p> Uma boa leitura e at&eacute; a pr&oacute;xima semana</p> <p> &nbsp;</p> <div> <br clear="all" /> <hr align="left" size="1" width="33%" /> <div id="ftn1"> <p> <a href="#_ftnref1" name="_ftn1" title="">[1]</a><strong>FERNANDES,</strong>Juliana de Brum. &nbsp;A Hip&oacute;tese do Agenda Setting: Estudos e Perspectivas.&nbsp; Raz&oacute;n Y Palavra. Primeira Revista Electr&ocirc;nica en Am&eacute;rica Latina Especializada en Comunicacion. Novembro, 2003.</p> </div> <div id="ftn2"> <p> <a href="#_ftnref2" name="_ftn2" title="">[2]</a>A <strong>Teoria do Agendamento</strong> ou <strong>Agenda-setting theory</strong>, no original, em ingl&ecirc;s, &eacute; uma teoria de <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Comunica%C3%A7%C3%A3o" title="Comunicação">Comunica&ccedil;&atilde;o</a> formulada por <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Maxwell_McCombs" title="Maxwell McCombs">Maxwell McCombs</a> e <a href="http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Donald_Shaw&amp;action=edit&amp;redlink=1" title="Donald Shaw (página não existe)">Donald Shaw</a> na <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/D%C3%A9cada_de_1970" title="Década de 1970">d&eacute;cada de 1970</a>. De acordo com este pensamento, a <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%ADdia" title="Mídia">m&iacute;dia</a> determina a <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Pauta_%28jornalismo%29" title="Pauta (jornalismo)">pauta</a> (em ingl&ecirc;s, <em>agenda</em>) para a <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Opini%C3%A3o_p%C3%BAblica" title="Opinião pública">opini&atilde;o p&uacute;blica</a> ao destacar determinados temas e preterir, ofuscar ou ignorar outros tantos. As ideias iniciais podem ser creditadas ao trabalho desenvolvido por&nbsp; <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Walter_Lippmann" title="Walter Lippmann">Walter Lippmann</a>, um proeminente jornalista estadunidense. Ainda em 1922, ele prop&ocirc;s a tese de que as pessoas n&atilde;o respondiam diretamente aos fatos do mundo real, mas que viviam em um pseudo-ambiente composto pelas &quot;imagens em nossas cabe&ccedil;as&quot;. A m&iacute;dia teria papel importante no fornecimento e gera&ccedil;&atilde;o destas imagens e na configura&ccedil;&atilde;o deste pseudo-ambiente.A premissa b&aacute;sica da teoria em sua forma moderna, entretanto, foi formulada originalmente por <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Bernard_Cohen" title="Bernard Cohen">Bernard Cohen</a> em 1963: &quot;Na maior parte do tempo, [a imprensa] pode n&atilde;o ter &ecirc;xito em dizer aos leitores o que pensar, mas &eacute; espantosamente exitosa em dizer aos leitores <em>sobre o que</em> pensar&quot; (p&aacute;g.13) ( fonte wikip&eacute;dia).</p> </div> <div id="ftn3"> <p> <a href="#_ftnref3" name="_ftn3" title="">[3]</a>&nbsp;Pesquisa realizada por Davi Silberstein.</p> </div> </div> cobertura Coluna da Ouvidoria Coluna do Ouvidor comportamento fatos mídia pública Mon, 30 Apr 2012 21:30:06 +0000 gracaadjuto 694009 at https://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/